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12.7.12

Presidente de Ourém solicita inconstitucionalidade de norma da Lei dos compromissos

Numa missiva dirigida ao Procurador-geral da Republica, Paulo Fonseca, Presidente de Câmara de Ourém, solitário que norma que equipara os titulares de cargos políticos eleitos (presidentes de Camara e vereadores) a dirigentes da administração publica e gestores públicos, seja declarado inconstitucional.

É este o teor

Assunto: Inconstitucionalidade da regulamentação da Lei dos Compromissos e dos pagamentos em atraso

Na sequência da publicação, em Diário da República, do Decreto Lei n.o 127/2012, de 21 de junho, que visa regulamentar a Lei n.o 8/2012, de 21 de fevereiro (lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso) tive oportunidade de constatar que, no artigo 3.o do mesmo, se procede a um alargamento de alguns conceitos referenciados naquela lei, designadamente os de dirigente e de gestor.

Em concreto, estabelece-se na alínea a) do citado artigo 3.o que por “dirigentes” se deve entender “aqueles que se encontram investidos em cargos políticos, em cargos de direção superior de 1.o e 2.o grau, ou equiparados a estes para quaisquer efeitos, bem como os membros do órgão de direcção dos institutos públicos”, considerando-se “gestores”, “aqueles que se encontrem designados para órgão de gestão ou administração das empresas públicas do sector empresarial do Estado, das regiões autónomas, dos municípios e as suas associações”.

Ora, deve notar-se que é a própria Lei n.o 8/2012 que remete a sua regulamentação para Decreto Lei, em muito embora o Governo disponha de amplas competências legislativas, existem, como se sabe, matérias sujeitas a reserva da Assembleia da República, seja ela absoluta ou relativa.

No que respeita ao poder local e no que aqui releva, constituem reserva de Assembleia, designadamente, o “estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local (..)” (reserva absoluta – alínea m) do artigo n.o 164.o da Constituição) e em especial o “estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais” e a “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal” (alínea q) e c) do n.o 1 do artigo 165.o da lei fundamental).

Na Lei n.o 8/2012, de 21 de fevereiro, o legislador recorreu a um conjunto de conceitos que se encontravam já sedimentados na ordem jurídica, designadamente os de dirigente – que havia já sido fixado pela própria Assembleia da República no âmbito da Lei n.o 2/2004, de 15 de janeiro, e mais recentemente reiterado através da Lei n.o 64/2011 -, o de titular de cargo político, constante da Lei n.o 64/93, de 26 de agosto (regime de incompatibilidade e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos) e o de gestor, previsto designadamente no Decreto Lei n.o 71/2007, de 27 de Março.

Todos estes conceitos dispunham de um alcance já fixado e conhecido pela Assembleia da República, e que constituiu o pressuposto do recurso aos mesmos.

A própria Lei n.o 8/2012 de 21 de fevereiro no seu artigo 11, n.o 1 distingue os titulares de cargos políticos dos dirigentes e gestores.

Contudo, através do Decreto Lei ora publicado, e no âmbito das definições a que fiz já referência, procede-se à regulamentação expandindo a amplitude normativa da Lei n.o 8/2012, de 21 de Fevereiro, fazendo corresponder os conceitos de dirigente e de gestor a realidades sem paralelo com aquelas que os conceitos originalmente utilizados traduzem, considerando “dIrigentes” os titulares de cargos políticos.

E assim, desde logo, este Decreto não se limita a regulamentar a lei em causa, extravasando-a, e sendo portanto desconforme com esta e também com o referencial constitucional que proíbe que tal seja feito através de ato normativo do Governo.

Mas acresce também que o conteúdo deste Decreto Lei, ao pretender alargar o conceito de dirigente previsto no artigo 5.o da Lei 8/2012, de 21 de fevereiro, e a restrição à realização de despesa neste prevista, produz alterações nas competências dos órgãos autárquicos, designadamente nas dos titulares de cargos políticos.

E esta limitação não encontra habilitação neste ou em qualquer outro ato normativo da Assembleia da República, embora diga respeito a matérias essenciais, como sendo o da realização da despesa.

Dirijo-me, pois, a V.a Ex.a, tendo presente as competências cometidas ao Procurador Geral da República em matéria de fiscalização da constitucionalidade, dado que o conteúdo deste Decreto Lei recentemente publicado suscita fundadas dúvidas relativamente à respetiva conformidade com a Constituição, que relevaria esclarecer a bem da segurança jurídica e de uma aplicação uniforme e estável de um diploma que diz respeito a uma matéria presentemente tão relevante. Apresento os meus melhores cumprimentos,

O Presidente da Câmara
Paulo Fonseca