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27.7.16

HÁ 41 ANOS TUDO ERA DIFERENTE

(Crónica ou Conto?)


Num esforço de verão, nunca completamente concretizado, procuramos reler alguns livros, arrumar outros tantos, meter uns papéis em ordem, limpar, arrumar e deitar fora o que não interessa. Sempre recordei este tempo, antes e depois de rumar à Nazaré para as semanas de praia da praxe, que era esse o esforço familiar. E hoje em dia, tal não é exceção.
Ora, nestas arrumações de verão, não querem acreditar no que encontrei: Um livrinho vermelho com a declaração de princípios, o programa e os estatutos do Partido Socialista, aprovados no Congresso do PS em Dezembro de 1974. Um documento histórico, com mais de 41 anos de vida…
Ao folheá-lo depara-se o leitor, sem mais com o ponto 1.1., que declama à jovem democracia, com escassos meses, ao que vem o PS:
“O partido Socialista é uma organização política dos portugueses que procuram na democracia socialista a solução dos problemas nacionais e a resposta às exigências históricas do nosso tempo”.
Retirada a expressão, perfeitamente datada com o processo revolucionário português de “democracia socialista”, todo o texto poderia ser ainda hoje usado.
Enfoque nas SOLUÇÕES e com elas DAR RESPOSTA ÀS EXIGÊNCIAS DO NOSSO TEMPO.
Espantosa síntese que se aplica, que nem uma luva, àquele que é o baluarte da intervenção política histórica em Portugal, durante as últimas 4 décadas e que, em cada freguesia, município, no País e na Europa, se procura manter fiel aos seus ditames de antanho.
Realmente espantoso: SOLUÇÕES e DAR RESPOSTAS a EXIGENCIAS.
Esse é, ou deveria ser, o trabalho de cada autarca, de cada agente político.
A História é espantosa e a clarividência dos autores do texto do PS de dezembro de 1974, os quais sabiam bem o que era preciso, na ação politica diária. Pena que tantos e tão promissores que eram, ainda hoje se esqueçam amiúde disto.
Realmente ter mundo na cabeça não é só viajar para fora, é também revisitar as referências, questionarmo-nos sobre as coisas simples da vida, sobre aquelas às quais temos que dar resposta. Responder a coisas simples como, a que horas devem os sistemas de rega funcionar nos parques urbanos? Isso pode ou não marcar as pessoas para toda uma vida? Imaginem que era aí que este texto estava a ser escrito, porque o sítio aprazado era palco de palco? Um autarca que decide, obviamente não decide tão pormenorizadamente, mas a sua ação é cada vez mais a razão ou não da felicidade dos “vizinhos”, expressão medieva, que nos convoca para o tempo em que os cidadãos, os eleitores, eram antes de mais vizinhos, que se gostavam e apoiavam. Não deveria ser sempre assim?
E tudo isto a propósito da declaração de princípios do PS em 1974. Nesse tempo em que a poesia estava na rua, como bem ilustrou Vieira da Silva nas suas célebres pinturas, que ainda hoje são um Hino à Liberdade Universal e de uma incomparável beleza, do dia limpo e único, de que sempre nos falou Sophia de Melo Breyner Andersen.
Ter a oportunidade de poder reler, no original, o texto em apreço, era algo para o qual não estava preparado hoje. Mas está alguém preparado para ao longo da vida ser interpelado, sem sequer muitas vezes se aperceber, para um novo desafio, para um novo sonho? Coletivo ou individual, nele os Deuses congeminam e os arqueiros disparam sem cessar, para que acordemos e agarremos as oportunidades e, delas fazendo força, desfraldemos as velas contra ou a favor do vento, com essa maravilhosa técnica de navegar à bolina, pelos portugueses descoberta nos idos de quatrocentos.
O PS acompanhou como organização e balizou como sistema de intervenção social toda a minha vida, desde que me lembro. Mas só, inopinadamente revisito a essência, daquilo que este foi, do que este representou para a vida de milhões de portugueses, e também de milhares de tomarenses, os quais especialmente nos últimos anos, haviam depositado uma incomensurável esperança na Mudança…
O livro é espantoso, porque junta a Declaração de Princípios, de apenas 12 pontos, a quatro documentos fundadores daquilo que era, em 1974, a essência dos caminhos programáticos necessários de percorrer pela sociedade portuguesa:
- Uma política económica ao serviço do trabalhador;
- Uma política social ao serviço do povo;
- Uma política institucional ao serviço do cidadão;
- Uma política internacional ao serviço da Paz.
Os títulos despertam-nos para as SOLUÇÕES dos problemas que a sociedade portuguesa padecia nos anos 70, na EXIGÊNCIA do seu TEMPO.
Os tempos de férias, de leituras e de arrumações são tempos espetaculares, que nos dão sempre a boa sensação de “mudar de pele”, tal qual a cobra que sibilina se liberta dela na sua regular renovação.
Saberemos nós interpretar devidamente os desafios desta e doutras renovações?
É o permanente desafio intelectual. E há 41 anos tudo era diferente, muito diferente, e muitos dos que hoje aqui leem nem sequer sabiam que iriam existir aspersores regulados e outras trivialidades da vida.
E que viva o Verão e o Sonho das suas quentes noites…