Num esforço de verão, nunca completamente concretizado,
procuramos reler alguns livros, arrumar outros tantos, meter uns papéis em
ordem, limpar, arrumar e deitar fora o que não interessa. Sempre recordei este
tempo, antes e depois de rumar à Nazaré para as semanas de praia da praxe, que
era esse o esforço familiar. E hoje em dia, tal não é exceção.
Ora, nestas arrumações de verão, não querem acreditar no que
encontrei: Um livrinho vermelho com a declaração de princípios, o programa e os
estatutos do Partido Socialista, aprovados no Congresso do PS em Dezembro de
1974. Um documento histórico, com mais de 41 anos de vida…
Ao folheá-lo depara-se o leitor, sem mais com o ponto 1.1.,
que declama à jovem democracia, com escassos meses, ao que vem o PS:
“O partido Socialista é uma organização política dos
portugueses que procuram na democracia socialista a solução dos problemas
nacionais e a resposta às exigências históricas do nosso tempo”.
Retirada a expressão, perfeitamente datada com o processo
revolucionário português de “democracia socialista”, todo o texto poderia ser
ainda hoje usado.
Enfoque nas SOLUÇÕES e com elas DAR RESPOSTA ÀS EXIGÊNCIAS
DO NOSSO TEMPO.
Espantosa síntese que se aplica, que nem uma luva, àquele
que é o baluarte da intervenção política histórica em Portugal, durante as
últimas 4 décadas e que, em cada freguesia, município, no País e na Europa, se
procura manter fiel aos seus ditames de antanho.
Realmente espantoso: SOLUÇÕES e DAR RESPOSTAS a EXIGENCIAS.
Esse é, ou deveria ser, o trabalho de cada autarca, de cada
agente político.
A História é espantosa e a clarividência dos autores do texto
do PS de dezembro de 1974, os quais sabiam bem o que era preciso, na ação politica
diária. Pena que tantos e tão promissores que eram, ainda hoje se esqueçam amiúde disto.
Realmente ter mundo na cabeça não é só viajar para fora, é também revisitar as
referências, questionarmo-nos sobre as coisas simples da vida, sobre aquelas às
quais temos que dar resposta. Responder a coisas simples como, a que horas
devem os sistemas de rega funcionar nos parques urbanos? Isso pode ou não
marcar as pessoas para toda uma vida? Imaginem que era aí que este texto estava
a ser escrito, porque o sítio aprazado era palco de palco? Um autarca que
decide, obviamente não decide tão pormenorizadamente, mas a sua ação é cada vez
mais a razão ou não da felicidade dos “vizinhos”, expressão medieva, que nos
convoca para o tempo em que os cidadãos, os eleitores, eram antes de mais
vizinhos, que se gostavam e apoiavam. Não deveria ser sempre assim?
E tudo isto a propósito da declaração de princípios do PS em
1974. Nesse tempo em que a poesia estava na rua, como bem ilustrou Vieira da
Silva nas suas célebres pinturas, que ainda hoje são um Hino à Liberdade
Universal e de uma incomparável beleza, do dia limpo e único, de que sempre nos falou Sophia de Melo Breyner Andersen.
Ter a oportunidade de poder reler, no original, o texto em
apreço, era algo para o qual não estava preparado hoje. Mas está alguém preparado para ao
longo da vida ser interpelado, sem sequer muitas vezes se aperceber, para
um novo desafio, para um novo sonho? Coletivo ou individual, nele os Deuses
congeminam e os arqueiros disparam sem cessar, para que acordemos e agarremos
as oportunidades e, delas fazendo força, desfraldemos as velas contra ou a
favor do vento, com essa maravilhosa técnica de navegar à bolina, pelos
portugueses descoberta nos idos de quatrocentos.
O PS acompanhou como organização e balizou como sistema de
intervenção social toda a minha vida, desde que me lembro. Mas só, inopinadamente
revisito a essência, daquilo que este foi, do que este representou para a vida
de milhões de portugueses, e também de milhares de tomarenses, os quais especialmente nos últimos
anos, haviam depositado uma incomensurável esperança na Mudança…
O livro é espantoso, porque junta a Declaração de Princípios,
de apenas 12 pontos, a quatro documentos fundadores daquilo que era, em 1974, a
essência dos caminhos programáticos necessários de percorrer pela sociedade
portuguesa:
- Uma política económica ao serviço do trabalhador;
- Uma política social ao serviço do povo;
- Uma política institucional ao serviço do cidadão;
- Uma política internacional ao serviço da Paz.
Os títulos despertam-nos para as SOLUÇÕES dos problemas que
a sociedade portuguesa padecia nos anos 70, na EXIGÊNCIA do seu TEMPO.
Os tempos de férias, de leituras e de arrumações são tempos
espetaculares, que nos dão sempre a boa sensação de “mudar de pele”, tal qual a
cobra que sibilina se liberta dela na sua regular renovação.
Saberemos nós interpretar devidamente os desafios desta e
doutras renovações?
É o permanente desafio intelectual. E há 41 anos tudo era
diferente, muito diferente, e muitos dos que hoje aqui leem nem sequer sabiam
que iriam existir aspersores regulados e outras trivialidades da vida.
E que viva o Verão e o Sonho
das suas quentes noites…