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16.11.11

O orçamento de Estado será inconstitucional?

A economia, a ética e a lei no Orçamento de 2012
Por: Paulo Trigo Pereira

O OE 2012 é economicamente irrealista, eticamente reprovável e viola a Constituição. Comecemos pela economia. O orçamento baseiase numa previsão de recessão de 2,8% do PIB, uma previsão que a Comissão Europeia já elevou para 3%, e que durante este ano várias instituições mundiais irão rever em alta. O que contribui para atenuar a recessão é o aumento das exportações. Porém, os mercados europeus, para onde exportamos, estão a abrandar os níveis de consumo. Sendo a recessão mais profunda, as receitas fiscais serão menores e as despesas em subsídios de desemprego e outras prestações sociais maiores.

No plano ético, ao propor o corte de pensões, está a confiscar parte do património dos pensionistas (por muitos acumulado ao longo de décadas de trabalho) e, ao cortar salários, está implicitamente a atribuir àqueles a responsabilidade moral pelo défice e a dívida excessivos. Ficámos a saber, com este OE, que o Governo acha que os trabalhadores em funções públicas são responsáveis pelo erro da privatização do BPN, pelos desmandos de despesa excessiva, défice e dívida das empresas da Madeira, e pelos erros de gestão dos Metros de
Lisboa, Porto, Transtejo, Soflusa, CP e Refer.

Alguns argumentaram que o recente Acórdão 396/2011 do Tribunal Constitucional (TC), não declarando inconstitucional o corte de salários na função pública em 2011, abriria a porta aos
cortes de salários e subsídios agora propostos para 2012. Tal não é verdade, pois seria necessário demonstrar que também em 2012, do lado da despesa, só a diminuição de vencimentos e pensões garante “eficácia certa e imediata”; que ainda estamos dentro dos “limites do sacrifício”; e que se trata de uma medida transitória. Comecemos pela hipotética transitoriedade da medida. Os nossos compromissos internacionais são o memorandum da troika, que vigora até 2014, e exige reduções quantitativas no défice, e o pacto de estabilidade e crescimento, que requer o equilíbrio de médio prazo nas contas públicas. Por melhor que seja a
consolidação orçamental, nunca antes de 2016 alcançaremos esse equilíbrio. Ora, faz algum sentido pensar que agora se tomam estas medidas duríssimas para mais tarde recuar? Nem o próprio ministro das Finanças acredita nesse recuo. Estas medidas, a serem tomadas, seriam irreversíveis e não transitórias.

O “limite do sacrifício” é claramente subjectivo. Porém, cortar 25% dos salários em dois anos – o que aconteceria para os quadros superiores da administração se este OE fosse aprovado e não declarado inconstitucional – ultrapassa todos os limites do sacrifício razoável. Finalmente, há que saber se do lado da despesa há outras medidas eficazes e imediatas. Estas existem, e algumas estão inscritas no próprio memorandum da troika (MoU). O Orçamento prevê um corte de 89 milhões de euros com a reestruturação do Estado, o corte das “gorduras”, enquanto o MoU previa 500 milhões. O memorando prevê um corte nas transferências para as regiões e municípios de pelo menos 150 milhões, enquanto no OE as transferências para a administração
regional e local (aqui excluindo a participação municipal no IRS) reduzem-se apenas em 8,3 milhões. Ora, só nestas duas medidas poupar-se-ia 552,7 milhões, e outras poderiam ser referidas. Mesmo assumindo que o acórdão faça jurisprudência, tudo leva a crer que o OE 2012 é inconstitucional.

Mas há alguns problemas com este acórdão. O OE viola o princípio constitucional da igualdade de tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente de acordo com princípios de justiça distributiva. Os juizes conselheiros que aprovaram o acórdão argumentaram nos seguintes termos: aceitando a necessidade de consolidação orçamental, esta ou se faz pela redução da despesa (em salários de funcionários públicos) ou com aumento de impostos que poderão recair sobre todos. Ora interpretar o princípio da igualdade como universalidade
levaria, na opinião do TC, a que a solução adoptada pela Assembleia da República fosse a do aumento de impostos. Logo, isto retiraria “ao decisor político democraticamente legitimado qualquer margem de livre opção”. Trata-se de uma inferência correcta, mas a partir de uma premissa falsa, pelo que a conclusão também o é. A lógica argumentativa baseia-se numa falsa opção exclusiva entre mais impostos para todos e cortes salariais (e agora pensões) para alguns. Como ilustrámos acima, há outros cortes de despesa que não violam o princípio da
igualdade.

Aquilo que esperamos ver no debate na especialidade é precisamente propostas que reflictam essa autonomia do legislador, que cortem nos consumos intermédios e que aumentem a receita pública sem ser através da via fiscal sobre cidadãos e empresas. Deixo três sugestões finais do lado da receita. Primeiro, negociar com a troika a possibilidade de haver receitas
extraordinárias em 2012. O défice real de 2011 vai ser perto de 8% do PIB e quer reduzir-se para 4,5%. Os juros vão aumentar 1%. Ou sej,a quer reduzir-se num ano a despesa primária em 4,5% (3,5+1), em recessão acentuada. Seria inédito na Europa.

Segundo, introduzir um imposto sobre dormidas com 0,25% para o município e 1% para o Estado. Dado que a esmagadora maioria das dormidas, sobretudo em hotéis de três e mais estrelas, é realizada por turistas, tratar-se-ia daquilo que na literatura se designa por exportação
fiscal para não-residentes. Temos uma média de 13 milhões de turistas, e a crise não afectou o turismo nacional. Não seria esta medida que o iria fazer e com ela se geraria uma receita adicional, sobretudo em não-residentes, de cerca de 100 milhões para o Estado e 25 milhões para os municípios, que assim teriam um incentivo para o combate à evasão fiscal e a promoção da indústria hoteleira. Havendo soluções simples, imediatas, alternativas e mais justas para
reduzir o défice orçamental, sem onerar funcionários públicos e pensionistas, da forma dramática como este orçamento propõe, cabe aos partidos que apoiam o Governo ou demonstrar que elas são inexequíveis ou aceitá-las. Se não o fizerem, espero que o Presidente da República pratique em acto o que sugeriu em palavras enviando o OE ao Tribunal Constitucional, e que este verifique a inconstitucionalidade.