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18.10.10
Entrevista de António Reis, Fundador do PS, ex-Secretário de Estado da Cultura e actual Grão-mestre da Maçonaria portuguesa (Grande Oriente Lusitano)
ENTREVISTA
António Reis "Sou grão-mestre e não reúno aqui com ministros para lhes dar instruções sobre o que devem fazer no governo"
Grão-mestre revela que a maçonaria é uma organização de elites e funciona como uma família, mas rejeita a ideia de ser um "polvo"
O Grande Oriente Lusitano (GOL) é a obediência maçónica mais antiga em Portugal. Criada em 1802, esteve na origem da Revolução Liberal de 1820 e da queda da monarquia em 1910. Os principais responsáveis pelo movimento republicano eram maçons do GOL. E o governo da Primeira República era composto em grande parte por maçons. Cem anos depois, a maçonaria ganha cada vez mais força em Portugal. Nos últimos dez anos o número de maçons duplicou, mas poucos são os que se assumem como tal. São ministros, deputados, académicos, médicos, juízes, advogados... Em entrevista ao i, António Reis, grão-mestre do GOL e um dos mais antigos dirigentes do Partido Socialista, rejeita a classificação de "organização secreta" e diz acreditar que no futuro mais maçons irão perder o receio de se assumir.
Na semana em que se comemorou o centenário da República em Portugal não podemos deixar de referir a influência da maçonaria nesse movimento. Afinal alguns dos principais intervenientes na implementação da República eram maçons do Grande Oriente Lusitano.
Todos os historiadores reconhecem que os maçons do Grande Oriente Lusitano Unido foram os intervenientes mais importantes da implantação da República, a 5 de Outubro. Começaram a lutar pela queda da monarquia, cuja ditadura autoritária, em alguns momentos, como com João Franco, em 1906, punha em causa os valores republicanos de liberdade e igualdade. Também havia muitos maçons monárquicos, mas o momento em que muitos elementos do Partido Republicano começaram a entrar para a maçonaria marcou a mudança.
Como foi preparado o movimento republicano do dia 5 de Outubro pela maçonaria?
Os republicanos maçons tiveram um papel muito importante nas operações do dia 4 e 5 de Outubro. Miguel Bombarda, Cândido dos Reis, Machado Santos - o herói da Rotunda - e também Rogério de Almeida, Afonso Costa, Bernardino Machado... eram todos do GOL. O primeiro governo tem uma forte influência da maçonaria. Cerca de metade dos ministros do primeiro governo republicano eram maçons. Depois, com a ditadura militar, começou a decadência da maçonaria. A partir de 1929, e nem tanto de 1926, começou a diminuir o número de maçons. Alguns por medo das perseguições. Mesmo assim há um sector da ditadura militar composto por maçons importantes, como o general Carmona. No entanto, a influência da maçonaria diminuiu em 1929 e depois em 1935 com a lei criada por Salazar, que extinguiu todas as sociedades secretas e proibiu a maçonaria.
E como se organizaram os maçons do GOL durante a ditadura?
Alguns maçons continuavam ligados, nos anos 40 e 50, a movimentos como a Unidade Nacional Antifascista e a Unidade Democrática. E também estiveram presentes nas eleições presidenciais, ao longo da ditadura. O general Norton de Matos era maçon e opôs-se também ao general Carmona. Após o 25 de Abril, o primeiro-ministro do primeiro governo provisório era um maçon: o professor Adelino da Palma. Esta altura marca o renascimento da maçonaria.
Há pouco referiu que na Primeira República o governo era composto por cerca de 50% de maçons. Com o 25 de Abril houve o renascimento da maçonaria. Qual é o número actual?
Hoje em dia as coisas são diferentes. Naturalmente que os maçons têm cargos preeminentes, existem deputados maçons e pessoas no governo... Mas nada que se compare com os 50%. Seguramente muito menos.
Mas não tem uma ideia aproximada?
Não, não tenho dados que me permitam quantificar. Em 1974 havia uma centena de maçons. Na Primeira República eram 4300 maçons no GOL. Hoje em dia não somos mais de 2 mil.
Desde o 25 de Abril que tem havido um aumento de interesse pela maçonaria?
Sim, duplicámos o número de maçons nos últimos dez anos. É natural que estejamos a crescer, mas não queremos muitos mais. Atenção que a maçonaria não é uma instituição de massas, como um partido político. Nós próprios não queremos ultrapassar um determinado número. Somos muito selectivos.
Como é feita essa selecção? Que tipo de pessoas procuram?
As elites académicas, culturais, políticas... As elites em geral. As pessoas não vêm directamente ter connosco. Em geral isso faz-se indirectamente, através de pessoas do GOL que já se conhecem. Determinado obreiro, "irmão" (termo maçónico), propõe uma pessoa das suas relações.
A maçonaria é reconhecida ainda hoje como ordem secreta. Apesar de vivermos num regime democrático, a maioria dos maçons não admite que o é. Porquê?
É a própria pessoa que pode, se assim quiser, comunicar que é maçon. Ninguém é obrigado a assumir-se, isso seria uma violação da liberdade de consciência. Ninguém tem de se declarar benfiquista ou sportinguista e portanto também não tem de se declarar maçon.
Manter a identidade maçónica em segredo é muito comum entre os magistrados. Nenhum se assume como maçon, mas há muitos magistrados que o são.
Existe um certo preconceito no poder judicial. Alguns magistrados não aceitam muito bem a maçonaria. E, com medo que a opinião publica os condene - baseada naquela ideia de que a maçonaria é como uma instituição tentacular, uma espécie de polvo, que controla as instituições de todos os poderes, o que é inteiramente falso - não o assumem. Isso pode criar desconfianças, suspeitas dentro do poder judicial relativamente à condição de maçon de determinado juiz ou procurador. Por isso a maioria prefere não revelar.
O facto de existirem muitos magistrados maçons pode representar qualquer influência da maçonaria no poder judicial?
O poder judicial é o poder mais independente deste país, não temos nenhuma influência. Os magistrados não têm de obedecer ao GOL, têm de agir de acordo com a sua consciência.
Mesmo que estejam a julgar um processo que envolva directamente um maçon do GOL?
O poder judicial conduz-se autonomamente, por ele próprio.
Mas o espírito de irmandade, obrigatório na maçonaria, conduz a um sentimento de protecção entre "irmãos" que se pode naturalmente reflectir nas suas actividades normais, fora da maçonaria?
Sim, mas não podem é favorecer. Não podem, de maneira nenhuma, privilegiar um irmão maçon para um cargo importante perante outro que não é maçon mas tem mais competências para determinada função, por exemplo.
Mas existe o sentido de protecção entre irmãos, mesmo fora dos encontros maçónicos?
Existe para já uma entreajuda no sentido social: se sentimos que um irmão tem dificuldades porque está desempregado, temos aqui a possibilidade de o ajudar. Funcionamos como uma família biológica, mas não uma protecção que infrinja as leis do país, nunca no sentido de nepotismo. Se, perante as diligências legais existentes, for possível que um determinado irmão aceda a uma determinada função, muito bem. Mas sem passar por cima das condicionantes legais, porque isso seria também violar uma das nossas regras fundamentais.
Mas a questão é que tem crescido no país uma preocupação e uma certa desconfiança relativamente às influências directas do poder político sobre o poder judicial.
Estou francamente preocupado com isso. Começamos a ver demasiadas situações em que se sente que há alguma ligação entre determinados comportamentos de magistrados e determinados interesses políticos. Face Oculta, Freeport... E a justiça tem de ser imparcial. Começo a notar que há cada vez mais indícios de que se estabelecem ligações espúrias entre um e outro.
E no decorrer do longo processo Casa Pia, também houve essa troca de influências entre o poder político e judicial?
Nunca me pareceu que existissem motivações desse tipo. O processo baseia-se em situações objectivas, que são reais, foram investigadas e detectadas. Há a lamentar a lentidão da justiça, mas as regras foram seguidas, perfeitamente claras e correctas, e a sentença aí está. Não creio que tenha havido motivações políticas.
Há nomes de pessoas do poder político que nunca chegaram a ser julgadas, mas as testemunhas contra elas foram as responsáveis pela condenação de seis dos arguidos.
Parece-me que houve alguma precipitação na apresentação desses nomes [ligados ao poder político] às vítimas, mas na globalidade não me parece que o processo tenha sido comandado por interesses de motivação política.
Há uma série de nomes ligados ao processo que se cruzam com o GOL, o que leva algumas pessoas a suspeitar da influência do GOL no decorrer do processo Casa Pia.
Não houve absolutamente nenhuma influência. A justiça está a fazer justiça, e ainda bem que está a fazê-lo.
Estou a falar de alguns advogados que já passaram pelo processo. Alguns acabaram por se afastar, aparentemente, sem motivo.
Francamente não estou a atingir o que quer dizer com isso. Desconheço se algum deles é maçon, tanto entre os advogados que defendem as vítimas como entre os que defendem os arguidos. Isso é irrelevante para o processo, estão a desempenhar as funções deles. Nós não temos aqui nenhuma central de comando para pôr advogados a defender as vítimas, ou no Freeport ou no processo Face Oculta. A maçonaria tem imensa fama de ter imenso poder, mas não tem proveito nenhum.
Desde 2003 que os grão-mestres do GOL começaram a aparecer na comunicação social. O objectivo é mudar a opinião da sociedade relativamente ao poder tentacular da maçonaria?
Procuramos mostrar, através de uma política de ruptura e transparência, que não há razão para esse tipo de suspeitas. Somos sobretudo uma ordem com espiritualidade laica, discutimos grandes temas de espiritualidade, da humanidade, da filosofia e problemas do país. Não procuramos o outro lado das instituições. O dr. António Arnaut já tinha iniciado esse trabalho.
E acredita que no futuro haverá menos maçons com receio de o assumir publicamente?
Começa a haver cada vez mais maçons que não têm dificuldade em assumir-se como tal. Infelizmente ainda existe algum receio, porque a história mostra que os maçons sempre foram perseguidos.
Como já disse, os maçons têm cargos preeminentes na sociedade, as suas decisões podem influenciar o futuro do país. É normal discutirem os problemas actuais e a melhor forma para os resolver?
Sim, tentamos dar o nosso contributo, tentamos formar os nossos membros para que consigam, dentro das actividades que exercem, resolver os problemas do país. Mas eu sou grão-mestre e não reúno aqui nem em lado nenhum com ministros, deputados e juízes que são maçons para lhes dar instruções sobre o que devem fazer no governo ou na magistratura. Algumas pessoas vivem obcecadas com essa ideia.
Há casos em que de recusa quando tentam recrutar para o GOL?
Sim, porque não têm interesse ou têm medo. Mas normalmente quando um maçon convida uma pessoa já sabe que existe uma certa probabilidade de ela aceitar. Primeiro há uma observação, conhecimento do carácter da pessoa, e logo depois é que se vê se essa pessoa tem apetência para este tipo de trabalho. Ser maçon exige uma apetência da própria pessoa para praticar aquilo a que chamamos uma espiritualidade laica, para uma reflexão sobre temas que têm a ver com o sentido da existência, o sentido da vida, sem terem de passar pelo crivo religioso. A maçonaria está acima das divisões religiosas e político-partidárias.
Como são combinados os encontros de cada loja?
São sempre no mesmo dia, à mesma hora. Cada maçon recebe por email a convocatória para a reunião, como acontece em qualquer associação.
Qual é a regularidade dos encontros?
Os encontros ocorrem quinzenalmente, mas é normal que nem todos possam comparecer. Um maçon pode não vir todos os 15 dias, mas tenta vir com muita regularidade.
Têm acontecido casos de expulsão de maçons?
Sim, já aconteceram, por não cumprirem determinadas regras de organização, como o pagamento das quotas. Mas a pessoa também pode afastar-se. Existem muitos maçons adormecidos. No entanto, também acontecem casos de expulsão por incumprimento de regras internas.
(Entrevista publicada a 9 de Outubro de 2010, no Jornal i)
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