NOTA DO DIA
Serviços públicos e o
cumprimento da Lei
Nos últimos meses temos sido confrontados com uma nova
realidade, fruto da recente publicidade dada a infelizes processos julgados no
Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
Para a maioria dos cidadãos a ideia geral é a de que os serviços
públicos funcionam mal e já “ninguém” nota quando os prazos dados para determinada
resposta não são cumpridos. Nada de mais errado, uma vez que, com cerca de 30
anos de trabalhador da administração pública a generalidade dos trabalhadores
que conheço são esmerados, empenhados e procuram com diligência dar resposta e
solução para os problemas que, diariamente, lhes são colocados. O problema genérico da administração pública,
não está decerto nos seus trabalhadores, mas sim nas formas de organização
implementadas. Formas essas que carecem, quase sempre, de uma permanente
revisitação e reengenharia dos processos decisórios implementados. Esse é,
hoje, como ontem, o grande desafio de todas as organizações, não só as
públicas, mas também as privadas. Aqueles que não se adaptarem, que não
implementarem métodos mais eficazes, mais eficientes e com maior qualidade,
serão ultrapassados por outros que o façam.
Acresce a todo este desafio, que diríamos civilizacional, o
outro, ao qual os detentores de poder, seja ele eletivo ou funcional, como
por exemplo as chefias intermédias das administrações públicas, ao qual o cumprimento
da lei, mais do que a qualquer outro cidadão, sobre estes impende, de forma
absolutamente determinística. Ou seja, os detentores de poder nas
administrações públicas, mais do que cumprir a lei, como qualquer cidadão, têm
a obrigação de velar para que ela seja cumprida e compreender, em cada um dos
seus atos, que existem – na administração pública -, para servir o cidadão, e
não o contrário.
Durante décadas, a cultura organizacional do nosso Município
baseou-se numa abordagem, diríamos, retrógrada. Ou seja: o cidadão era, genericamente,
tratado com afastamento, no pressuposto de que raramente teria razão, diríamos mesmo
tratado com desconfiança. Esse paradigma revestia diversas nuances, diversas formas e
era, grosso modo, “protegido” pelos poderes políticos que foram passando na gestão municipal e por
algumas chefias que, assim, se "sentiam" mais confortáveis. Só a título de
exemplo, quando em novembro de 2013 cheguei ao Gabinete da Presidência do
Município de Tomar, o hábito era não acusar a receção das cartas ou dos emails
solicitando informações ou dando sugestões.
Ou seja, ninguém que se dirigisse
ao Município, via presidência, conseguia saber se o que tinha sugerido,
informado ou solicitado, tinha “chegado” ao destino. Fiquei estupefacto, como
era possível, já com 13 anos decorridos no sec.XXI, que um procedimento simples
de acusar a receção, com um simples email, dizendo algo do género “encarrega-me
a Sra. Presidente do Município de informar que o assunto tal foi encaminhado
para o setor respetivo e tão breve quanto possível serão dadas mais informações…”.
Nem imaginam o número de chamadas com que a presidência era inundada, apenas
para confirmar se o email, se a carta tinha sido recebida, pois já havia sido
enviado há semanas e nada sabiam…
Enfim. Era assim a cultura organizacional no Município de
Tomar. Claro que há ainda, diríamos um pormenor, que não é de somenos
importância, que é o da Lei. Essa malfada Lei, que obriga a que as
administrações, respondam no prazo de dez dias, nem que seja dizendo que o assunto
não é da sua competência, ou que mercê da complexidade, tão breve quanto possível
serão dadas mais informações. Respeito pelos cidadãos é o paradigma das
organizações modernas e que estão em linha com a democracia. Claro que isso é
exigente para todos os decisores, sejam eleitos, nomeados ou dirigentes e
obriga a uma atenção permanente. Mas, se o enfoque for no serviço ao cidadão e
na perceção de que só se está no poder, só se é funcionário do estado, para
servir o cidadão, isso torna-se fácil.
Neste contexto é difícil de entender, como ainda hoje, haja
condenações que tenham de ser produzidas pelos Tribunais, em relação a
dirigentes, políticos ou técnicos, por não cumprirem este desiderato simples e
com enquadramento legal, há dezenas de anos. Nomeadamente, para um autarca,
cujo trabalho é sempre de grande proximidade com as populações e os seus
problemas, tal é, para mim, totalmente incompreensível.
Usa-se a dizer, que o exemplo vem sempre de cima. Ora, se do
topo vem o desrespeito pela Lei, como pode um dirigente máximo de uma
organização ser respeitado pela hierarquia se, recorrentemente, a incumpre? E
sim, isto tem a ver com todos nós. Não é só um mero problema dos “outros”.
Se queremos ser bem governados, devemos exigir os nossos
direitos e respeitar quem os quer ver respeitados, naturalmente penalizando
quem não o faz.
A conferir:
Notícia do Diário de Notícias
Caso do cheque