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6.4.17

Respeitar a lei, para sermos bem governados

Nota do dia, produzida na Rádio Hertz, FM92 FM98, quinzenalmente às quartas, após os noticiários das 13H e das 19H

NOTA DO DIA
Serviços públicos e o cumprimento da Lei

Nos últimos meses temos sido confrontados com uma nova realidade, fruto da recente publicidade dada a infelizes processos julgados no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

Para a maioria dos cidadãos a ideia geral é a de que os serviços públicos funcionam mal e já “ninguém” nota quando os prazos dados para determinada resposta não são cumpridos. Nada de mais errado, uma vez que, com cerca de 30 anos de trabalhador da administração pública a generalidade dos trabalhadores que conheço são esmerados, empenhados e procuram com diligência dar resposta e solução para os problemas que, diariamente, lhes são colocados. O problema genérico da administração pública, não está decerto nos seus trabalhadores, mas sim nas formas de organização implementadas. Formas essas que carecem, quase sempre, de uma permanente revisitação e reengenharia dos processos decisórios implementados. Esse é, hoje, como ontem, o grande desafio de todas as organizações, não só as públicas, mas também as privadas. Aqueles que não se adaptarem, que não implementarem métodos mais eficazes, mais eficientes e com maior qualidade, serão ultrapassados por outros que o façam.
Acresce a todo este desafio, que diríamos civilizacional, o outro, ao qual os detentores de poder, seja ele eletivo ou funcional, como por exemplo as chefias intermédias das administrações públicas, ao qual o cumprimento da lei, mais do que a qualquer outro cidadão, sobre estes impende, de forma absolutamente determinística. Ou seja, os detentores de poder nas administrações públicas, mais do que cumprir a lei, como qualquer cidadão, têm a obrigação de velar para que ela seja cumprida e compreender, em cada um dos seus atos, que existem – na administração pública -, para servir o cidadão, e não o contrário.
Durante décadas, a cultura organizacional do nosso Município baseou-se numa abordagem, diríamos, retrógrada. Ou seja: o cidadão era, genericamente, tratado com afastamento, no pressuposto de que raramente teria razão, diríamos mesmo tratado com desconfiança. Esse paradigma revestia diversas nuances, diversas formas e era, grosso modo, “protegido” pelos poderes políticos que foram passando na gestão municipal e por algumas chefias que, assim, se "sentiam" mais confortáveis. Só a título de exemplo, quando em novembro de 2013 cheguei ao Gabinete da Presidência do Município de Tomar, o hábito era não acusar a receção das cartas ou dos emails solicitando informações ou dando sugestões.
Ou seja, ninguém que se dirigisse ao Município, via presidência, conseguia saber se o que tinha sugerido, informado ou solicitado, tinha “chegado” ao destino. Fiquei estupefacto, como era possível, já com 13 anos decorridos no sec.XXI, que um procedimento simples de acusar a receção, com um simples email, dizendo algo do género “encarrega-me a Sra. Presidente do Município de informar que o assunto tal foi encaminhado para o setor respetivo e tão breve quanto possível serão dadas mais informações…”. Nem imaginam o número de chamadas com que a presidência era inundada, apenas para confirmar se o email, se a carta tinha sido recebida, pois já havia sido enviado há semanas e nada sabiam…
Enfim. Era assim a cultura organizacional no Município de Tomar. Claro que há ainda, diríamos um pormenor, que não é de somenos importância, que é o da Lei. Essa malfada Lei, que obriga a que as administrações, respondam no prazo de dez dias, nem que seja dizendo que o assunto não é da sua competência, ou que mercê da complexidade, tão breve quanto possível serão dadas mais informações. Respeito pelos cidadãos é o paradigma das organizações modernas e que estão em linha com a democracia. Claro que isso é exigente para todos os decisores, sejam eleitos, nomeados ou dirigentes e obriga a uma atenção permanente. Mas, se o enfoque for no serviço ao cidadão e na perceção de que só se está no poder, só se é funcionário do estado, para servir o cidadão, isso torna-se fácil.
Neste contexto é difícil de entender, como ainda hoje, haja condenações que tenham de ser produzidas pelos Tribunais, em relação a dirigentes, políticos ou técnicos, por não cumprirem este desiderato simples e com enquadramento legal, há dezenas de anos. Nomeadamente, para um autarca, cujo trabalho é sempre de grande proximidade com as populações e os seus problemas, tal é, para mim, totalmente incompreensível.

Usa-se a dizer, que o exemplo vem sempre de cima. Ora, se do topo vem o desrespeito pela Lei, como pode um dirigente máximo de uma organização ser respeitado pela hierarquia se, recorrentemente, a incumpre? E sim, isto tem a ver com todos nós. Não é só um mero problema dos “outros”.
Se queremos ser bem governados, devemos exigir os nossos direitos e respeitar quem os quer ver respeitados, naturalmente penalizando quem não o faz.


A conferir:

Notícia do Diário de Notícias
Caso do cheque