Evocar a memória de uma figura
histórica como Mário Soares é impossível. Especialmente quando nos referimos a
alguém a quem ninguém podia ser indiferente.
O bochechas, como foi durante décadas carinhosamente apelidado por
inúmeros portugueses, tinha esse condão: o de encher qualquer sala, qualquer
lugar, qualquer lar onde entrasse. A sua presença impunha-se, a sua voz cortava
com assertividade o ar e o seu pensamento entrava em todos e fazia-nos
despertar. Por isso tantos ainda lhe têm um ódio ímpar, como se ele fosse o
responsável por uma guerra malfeita e mal resolvida de mais de uma década, num
contexto de apogeu da luta pela hegemonia mundial entre os Estados Unidos da
América e a então União Soviética.
Mas, como todos vêm frisando
por estes dias, o seu maior legado, é a liberdade. A liberdade coletiva e a
liberdade individual. Soares era aliás conhecido por ser daqueles políticos,
hoje cada vez mais raros, que se borrifava olimpicamente no que diziam ou
pensavam dele. Ele sabia bem o que queria, em cada momento e, nunca perdia de
vista os eu objetivo, incentivando até a discussão e o pensamento divergente.
Era, na sua essência um humanista, mas sempre um Homem livre, que defendia o
valor supremo da liberdade.
Conheci Mário Soares na
primeira semana da campanha eleitoral para as legislativas de 25 de abril de
1983, tinha então 16 anos. Escassas duas semanas depois entrei para militante
do PS e da JS, até hoje. Foi no cruzamento da Estação de Fátima, para a
Sabacheira, onde no carro do Mário "francês” o aguardámos, para o acompanhar
até à porta da velha sede do PS, hoje desaparecida, na Rua Voluntários da
República. Ele vinha no autocarro da campanha e desceu dele para cumprimentar a
escassa dezena de pessoas que ali o aguardavam para escoltar até Tomar.
Pareceu-me um homem enorme. Era um Homem enorme. Nesse tempo como hoje, Mário
Soares impressionou-me e impôs-se na minha vida, até hoje, como referência de
luta e de liberdade.
Mais tarde, viria a estar
envolvido no MASP jovem em Tomar e no distrito – em 1986 e 1991, mas nunca o
apoiei internamente nas suas lutas dentro do PS. Soares era a referência, mas o
caminho era diverso.
Estive de novo com ele numa
ocasião em abril de 1993, na qualidade de secretário
nacional da JS, responsável pelas relações internacionais, na companhia do
então Secretário-geral da JS, António
José Seguro e o secretário-geral da IUSY (International
Union of Socialista Youth), Ricard Torrell, um
socialista catalão. Deslocamo-nos ao Palácio de Belém, para o convidar
formalmente para presidir a uma conferência no Acampamento Internacional
da IUSY, que viríamos a realizar em julho desse ano no Palácio de Cristal
na cidade do Porto, sob o lema “O poder da solidariedade”.
Recebeu-nos com a jovialidade dos seus já quase 70 anos e entre a sua forte amizade que então nutria pelo Tózé Seguro, a formalidade do relacionamento com o catalão, lá tive a oportunidade de lhe dizer que era ribatejano de Tomar, me retorquiu com olhar franco e aberto com um “conheço bem”, falando-me do Zé Maria (Mendes Godinho) – que viria nas últimas autárquicas a ser o mandatário da candidatura vitoriosa do PS à autarquia nabantina. A conversa, ultrapassada a questão que aí nos levara, foi por ele conduzida para as principais preocupações dos jovens de então: o pleno acesso destes ao ensino, sem constrangimentos (estávamos então em plena guerra das propinas) e a avaliação do mundo do fim da guerra fria (a queda do muro de Berlim dera-se há escassos 3 anos). Foi uma meia hora bem vivida e, para mim, sempre aprendiz da vida e das vidas, memorável. Reencontrar o Homem grande que conhecera uma década antes, fez-me reencontrar a essência do que era ser cidadão e socialista: saber para onde ir e defender sempre, mas sempre, a liberdade.
Recebeu-nos com a jovialidade dos seus já quase 70 anos e entre a sua forte amizade que então nutria pelo Tózé Seguro, a formalidade do relacionamento com o catalão, lá tive a oportunidade de lhe dizer que era ribatejano de Tomar, me retorquiu com olhar franco e aberto com um “conheço bem”, falando-me do Zé Maria (Mendes Godinho) – que viria nas últimas autárquicas a ser o mandatário da candidatura vitoriosa do PS à autarquia nabantina. A conversa, ultrapassada a questão que aí nos levara, foi por ele conduzida para as principais preocupações dos jovens de então: o pleno acesso destes ao ensino, sem constrangimentos (estávamos então em plena guerra das propinas) e a avaliação do mundo do fim da guerra fria (a queda do muro de Berlim dera-se há escassos 3 anos). Foi uma meia hora bem vivida e, para mim, sempre aprendiz da vida e das vidas, memorável. Reencontrar o Homem grande que conhecera uma década antes, fez-me reencontrar a essência do que era ser cidadão e socialista: saber para onde ir e defender sempre, mas sempre, a liberdade.
Anos mais tarde, dei a cara
e apoiei Manuel Alegre na sua disputa a Secretário-geral do PS, em 2004, contra
José Sócrates e o filho João Soares, mas nas presidenciais de 2006, não
consegui deixar de por ele dar a cara e nele votar (em detrimento de Alegre): o
tributo ao Homem, o curvar-me perante os valores que sempre representou foram
maiores, que qualquer alinhamento ideológico interno dentro do PS. Fiquei feliz
por usar do livre arbítrio que com ele, desde miúdo aprendi a exercer.
Uma década volvida e no seu
desaparecimento físico, desloquei-me hoje à sede nacional do partido onde ainda
sou militante dirigente concelhio e distrital, mais de 33 anos depois desse
encontro na Estação de Fátima em 1983, para no Livro de Condolência, lavrar o
meu registo de obrigado.