Existe um podcast brutal chamado “Pessimists“. No fundo, faz uma avaliação histórica sobre a reação da sociedade após o aparecimento de algumas tecnologias ou inovações. Desde o Walkman até à Valsa, passando pela Eletricidade e acabando na Bicicleta. Até o Ursinho de Peluche foi considerada uma monstruosidade horrível capaz de destruir a sociedade tal qual a conhecemos…
O que se conclui é sempre o mesmo: existe uma franja da sociedade que não lida bem com a mudança. Acha que o mundo vai implodir com o surgimento destas novas tecnologias/inovações”. São histéricos ignorantes, promotores do medo que colocam a emoção à frente da racionalidade.
E um bom exemplo é a tecnologia 5G. Basicamente, a implementação desta tecnologia será o fim da Humanidade. Levará à nossa extinção! Vai dar cabo das nossas glândulas sudoríparas, promover envelhecimento precoce, alterar o nosso sistema hormonal e destruir o nosso DNA. E, óbvio, causa cancro…tinha que causar cancro senão ninguém ficava suficientemente assustado. E como o ambiente está em voga, também causa a morte dos insectos e dos pássaros. Olhem esta frase incrível de uma tola promotora do medo:
“É interessante notar que nos últimos 20 anos perdemos 80% dos nossos insetos. E se tivermos 5G, perderemos 100% dos nossos insetos. Quando os insectos forem, nós também vamos.”
Já estão suficientemente assustados? Ainda não? Eu estou assustado, horrorizado, por ter que partilhar o planeta Terra com este tipo de gente inútil, ignorante, que continuam a lutar contra a evolução da sociedade.
Claro que, independentemente do que eu disser aqui, serei um comprado da “Big Wireless”, os estudos citados serão patrocinados pela “Big Wireless” e não podemos confiar na ciência porque a “Big Wireless” tudo domina…só o Zé, que fez um vídeo de Youtube sobre o tema, é que será de confiança.
É o que parece acreditar o Hugo Gonçalves Silva, Professor Auxiliar no Departamento de Física da Universidade de Évora. Faz um artigo publicado no Jornal Económico a denunciar os “perigos” da tecnologia 5G. O Xô Prossor começa bem:
“Existe extensa literatura a denunciar os variadíssimos perigos das telecomunicações móveis e é de estranhar que isto não seja do conhecimento dos centros tecnológicos que a estão a implementar e que, além disso, tal não seja transmitido à opinião pública.”
Quando achas que tu descobriste a pólvora e as centenas/milhares de investigadores que trabalham nos centros tecnológicos “não têm conhecimento do perigo” das tecnologias que eles investigam e implementam, talvez seja altura de reconsiderares a tua posição. A OMS (1, 2), o National Cancer Institute, o National Institute of Environmental and Health Sciences, o EC Scientific Committee on Emerging and Newly Identified Health Risks (e podia continuar), referem que as radiações eletromagnéticas, nos níveis a que estamos expostos, são seguras. Deixam a porta aberta para um eventual aumento de risco de leucemia infantil, apesar da relação ser fraca. E, com exposição prolongada ao telemóvel, aumento do risco de neuroma do acústico. No entanto, à medida que a investigação tem avançado, tem ido no sentido de nos dar cada vez mais segurança relativamente à inocuidade destas tecnologias. E isso tem sido demonstrado mesmo em estudos laboratoriais e com animais, onde há sempre a tendência de utilizar doses massivas de exposição ao material testado, por forma a garantir que é mesmo seguro nas doses a que nós estamos expostos.
Portanto, o Xô Prossor, no seu artigo, usa um livro, uns vídeos de Youtube, a campanha do PAN sobre a “informação ao público” para os perigos do 5G e uns artigos da treta escolhidos a dedo que acariciam o seu viés de confirmação. Diga-se que o Xô Prossor já nos tinha brindado com este tipo de referências bibliográficas, de alta qualidade, num artigo publicado no Público. Mas claro…os centros tecnológicos são uns ignorantes que desconhecem a literatura produzida sobre este tema. Um clássico Dunning-Kruger…
Espero que o Xô Prossor tenha oportunidade de ler este artigo do The Guardian, porque aborda os sites que usa como “fontes” e também um dos seus ídolos na batalha contra o 5G, o Sr. Martin Pall. Que se destaca por ser um Lair Ribeiro Anglo-Saxónico. Se a ciência diz assim, ele diz assado.
Sobre o 5G…
Já tinha escrito extensamente sobre radiações eletromagnéticas num artigo para a COMCEPT e quando escrevi sobre a charlatona Alexandra Vasconcelos e o seu livro de treta. Portanto, aconselho a ler esses dois artigos se ainda não dominam o tema das radiações eletromagnéticas. É que, apesar da tecnologia 5G ser nova, as radiações que utilizam são bastante semelhantes às utilizadas pela tecnologia atual. Têm, de facto, frequências mais altas dentro das frequências rádio (imagem abaixo), mas continuam abaixo da luz visível…portanto, se tens medo destas frequências, convém ires viver para algum local subterrâneo sem acesso a qualquer tipo luz…ainda apanhas cancro ou ficas com Alzheimer quando ligas a luz de casa.
A única razão pela qual a tecnologia 5G não tinha sido implementada antes é que tem um trade-off complicado…permite o aumento de transmissão da quantidade de dados, mas é mais susceptível a interferências por objetos na transmissão dessa informação (como árvores ou vidro). Mas não só…quanto maior a frequência da emissão das ondas rádios, menos elas parecem penetrar no corpo e menor a probabilidade de causar danos a órgãos internos. Logo, até este simples facto destrói os argumentos dos tolos anti-5G. Menor penetração das radiações, menor risco de doenças.
É engraçado ver estas ovelhas, que acham que descobriram “a verdade escondida”, estarem simplesmente a ser manipuladas pela contra-informação russa sobre a tecnologia 5G. Só em 2019, os russos emitiram nove documentários sobre os malefícios do 5G. É comum os russos fazerem isso quando não têm capacidade de acompanhar os avanços tecnológicos dos outros países. Fizeram e continuam a fazer isso sobre a segurança dos transgénicos (1, 2, 3, 4).
Mas ainda piora…enquanto a propaganda russa vende os malefícios da tecnologia 5G, os cientistas russos fazem exatamente o contrário…recomendam o seu uso. Dizendo que pode ser usada para tratar cancro, melhorar o funcionamento do sistema imune e acelerar a cicatrização da pele. Aumenta a regeneração celular e até pode ser usada para tratar rugas de pele. Agora, digam lá se isto não é uma comédia da boa.
A má ciência…
Claro que os promotores das teorias da conspiração 5G, no auge do seu Dunning-Kruger, fazem cherry-picking da ciência que (supostamente) valida a sua opinião. Um desses estudos é de 2016, realizado pela National Toxicology Program. Aqui fica um bom resumo:
“No estudo, ratos e ratinhos foram atingidos por sinais de rádio extremamente poderosos em frequência, incluindo os usados por telemóveis, de forma intermitente, por toda a sua vida. Os únicos resultados significativos do estudo foram estatisticamente significativos, mas por pouco. Baixos o suficiente para representar apenas ruído aleatório nos dados. E os ratos expostos viveram mais do que os controlos não expostos. No entanto, o estudo foi relatado como prova de que os telemóveis causam cancro. Porquê? Porque se detetou um aumento pouco significativo na taxa de um tipo de tumor chamado Schwannoma, mas apenas em alguns ratos machos, nenhum em fêmeas ou nos ratinhos estudados. Até os próprios autores apontaram vários outros fatores confundidores que poderiam ter sido responsáveis pelos resultados. No entanto, o estudo continua sendo a peça de evidência dos defensores da narrativa que as radiações dos telemóveis causam cancro nos seres humanos – uma afirmação que está em oposição direta a todas as montanhas de evidências observacionais que temos de um terço de um século de células difundidas uso do telefone.”
Então…ratos expostos a radiação vivem mais tempo. Parece que os cientistas russos estão no bom caminho. E o facto de terem vivido mais tempo também pode justificar o aumento ligeiro do risco de cancro. Quanto mais velhos, maior esse risco. Mas estas nuances são, obviamente, ignoradas pelo histéricos que não percebem ponta do assunto.
Conclusão
As ovelhas e Xô Prossores Dunning-Krugers que encontraram a verdade escondida, mas que de facto estão a ser manipulados por contra-informação russa ou baseados em má ciência perpetuada por Lair Ribeiros anglo-saxónicos, continuam a esforçar-se por atrasar o desenvolvimento tecnológico e da sociedade humana, baseada nas habituais premissas da promoção do medo e do fim apocalíptico da sociedade com a introdução destas tecnologias. A comunicação social portuguesa devia ter o trabalho de tentar perceber se os comentadores que escrevem estão ou não a falar verdade, de acordo com os factos disponíveis. Não é por ser Xô Prossor que devem aceitar, de bom grado, a perpetuação de desinformação. Mas pronto…o Observador tem lá um tipo que acha que é comediante e fala sobre alterações climáticas. Que fazer…