Artigo original, publicado aqui
Por Daniela Ferreira, Engª. do Ambiente formada pelo Instituto Superior Técnico
Estamos habituados a pensar numa cidade como uma unidade de urbanismo. Uma unidade física que nos abriga e acolhe no dia-a-dia corriqueiro das nossas vidas. Todavia, em 1965,
Abel Wolman olhou a cidade de uma forma diferente.
No seu trabalho designado “O metabolismo das cidades” desenvolveu o conceito de metabolismo urbano que viria a mudar toda uma forma de pensar sobre elas.
O metabolismo urbano é definido como a quantificação das necessidades de materiais e bens necessárias ao suporte das tarefas humanas nas cidades, incluindo a remoção e deposição dos resíduos.
De uma forma mais simples, Wolman olhou para a cidade de uma perspetiva orgânica e biológica e viu que, à semelhança de todos os organismos vivos, também a cidade precisava de uma fonte de energia e de alimento para que pudesse crescer e desenvolver-se da forma como a conhecemos.
Depois da primeira definição de Wolman, mais de quarentena anos depois, Kennedy e os seus colegas aprimoraram o conceito, definindo-o como a soma total dos processos técnicos e socioeconómicos que ocorrem nas cidades, e que resultam no seu crescimento, produção de energia, e eliminação de desperdícios sob a forma de resíduos.
Desta forma, o conceito de Metabolismo Urbano é baseado na metáfora ecossistémica onde as cidades são consideradas sistemas complexos, que para crescerem necessitam de consumir matérias-primas, água e ar (que são extraídos do ambiente e que são posteriormente transformadas parcialmente em produtos). Dado que os processos de transformação das matérias-primas têm grandes ineficiências deles resultam resíduos e emissões que são devolvidos à natureza, fechando-se assim o ciclo de materiais.
Os problemas ambientais surgem não só na fase de deposição dos desperdícios mas também durante todo o processo de crescimento da cidade.
Para que se possa compreender quais as ações a desenvolver, com o intuito de minimizar as consequências ambientais nefastas resultantes do metabolismo das cidades, é necessário proceder à contabilização e monitorização dos fluxos de materiais bem como das quantidades envolvidas, para que se possa mais facilmente ter uma ideia dos possíveis impactes.
De acordo com a primeira lei da termodinâmica (a lei da conservação da massa), tudo o que entra num sistema é igual ao que sai mais o que nele fica acumulado. Este princípio básico referente ao balanço da matéria é verdadeiro em qualquer sistema, pelo que também é válido para as cidades.
A metodologia prática que permite uma análise do metabolismo urbano de uma cidade é designada por Análise de Fluxo de Materiais (AFM).
A AFM permite contabilizar os materiais que fluem dentro do sistema (cidade), os seus stocks e fluxos que a atravessam, e ainda contabilizar o resultado dos seus outputs que são descarregados no ambiente sob a forma de poluição, resíduos ou exportações.
A AFM usa como ferramenta a técnica de contabilização de fluxos de materiais (CFM) que consiste num modelo simplificado das inter-relações da economia da cidade com o ambiente, no qual a economia da cidade funciona como um subsistema do ambiente dependente de um constante fluxo de materiais e energia.
Para a elaboração de uma contabilização de fluxos materiais é necessário definir o sistema que vai ser analisado (normalmente uma cidade ou área metropolitana), bem como o horizonte temporal durante o qual este vai estar a ser analisado (p. ex. um ano ou um intervalo de anos) e ainda possuir dados estatísticos que permitam a contabilização de todas as produções, extrações, importações, exportações, resíduos, e emissões de materiais na cidade em análise.
Estando reunidos todos os parâmetros acima descritos passamos a dispor de tudo o que é necessário para se elaborar o balanço entre as entradas (extração de recursos naturais e importação de bens) e as saídas (resíduos, emissões atmosféricas, para o solo e para a água, e exportações) que irá resultar no cálculo da acumulação de stock de materiais (ver ilustração 1).
Importa notar ainda que esse stock se manifesta sob a forma das infraestruturas, parque imobiliário e bens de investimento duráveis no sistema económico em análise.
Em resumo, através desta abordagem, uma cidade é conceptualizada sob a forma de um sistema que está interligado ao sistema ambiente, que extrai e transforma materiais deste último, mantem-nos acumulados durante um período de tempo e deposita-os de novo no ambiente no fim da sua utilização.
Atendendo a que mais da metade da população do mundo vive hoje em cidades, e as maiores áreas urbanas do mundo estão a crescer a um ritmo alucinante, tendo como exemplo as megacidades – regiões metropolitanas com população superior a 10 milhões – que de 1975 passaram de apenas 3 para 20 atualmente, torna-se cada vez mais relevante pensar sobre as cidades do ponto de vista metabólico, daí a importância do conceito de metabolismo urbano.
Através da análise e compreensão exaustiva de todos os fluxos inerentes às cidades, poderemos compreender quais as políticas e metas a adoptar a fim de se conseguir obter um efetivo controlo do crescimento urbano, e minimizar as consequências ao nível ambiental que esse crescimento acarreta.
O conceito de metabolismo urbano constitui-se assim, como uma ferramenta fulcral de conhecimento que permite às entidades responsáveis, identificar, analisar e planear de forma mais consciente todas as acções a desenvolver, que permitirão mitigar os efeitos do crescimento urbano desmesurado, que se tem vindo a fazer sentir nas últimas décadas e suas respetivas consequências que em tanto se têm demonstrado nefastas ao meio ambiente.
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[NOVO ARTIGO, original a ser lido aqui]
A Importância do Metabolismo Urbano para as Cidades Contemporâneas
Já ouviram falar no Metabolismo Urbano? Já pensou na cidade como um organismo vivo e que, como qualquer outro ser vivo, ela poderia possuir relações de transformação de substâncias para manter vivo seu funcionamento? Sim isso é possível, a abordagem teórica do metabolismo urbano compara a cidade a um organismo vivo e assim estuda e analisa os processos metabólicos dos sistemas urbanos.
A abordagem do Metabolismo Urbano foi desenvolvida por Abel Wolman (1965)[1], engenheiro sanitarista norte americano que, motivado pela deterioração da qualidade do ar e da água das cidades do seu país de origem, desenvolveu um modelo de análise do metabolismo de uma hipotética cidade americana com 1 milhão de habitantes.
Ele utilizou dados nacionais sobre a utilização dos recursos naturais, o autor partiu do princípio que o estudo e quantificação dos fluxos de matéria e energia que entram e saem das fronteiras cidades, permite a compreensão do seu funcionamento.
Todos os metabolismos são sistemas abertos, ou seja trocam matéria e energia com o meio em que estão inseridos, e necessitam de energia exterior para manter o seu funcionamento. E nas cidades não é diferente, isso pode ser visto nas residências, ruas e bairros, que necessitam de energia para funcionamento dos eletrodomésticos, sinais de transito, iluminação das vias etc.
Em todo e qualquer ambiente urbanizado ocorrem processos constantes de extração, transferência, acumulação e disposição de matéria e energia provenientes de ambientes naturais, sendo água, matérias primas, energia e nutrientes os quatro fluxos fundamentais analisados nos metabolismos urbanos.
Com o passar dos anos e aprimoramentos da metodologia de análise, a abordagem do Metabolismo Urbano se tornou uma ferramenta poderosa de gestão da água, da energia, dos materiais e dos nutrientes que entram e saem das fronteiras das cidades, pois a ajuda à evitar os desperdícios desses recursos. Entender o metabolismo de uma cidade, ver a sua evolução com o tempo e comparar com o de outras cidades permite criar diretrizes voltadas à redução dos impactos ambientais.
Metabolismo mais eficientes consomem menos recursos naturais, buscar maior eficiência energética nas cidades é fundamental no contexto de crescentes escassez de recursos que estamos vivenciando nos dias atuais. Uma cidade que se situa em um deserto é quase inteiramente dependente de consumos externos e portanto tem um metabolismo muito custoso. Através da Análise do Fluxo de Materiais (AFM) e da Análise do Ciclo de Vida (ACV), estuda-se as interações existentes entre as cidades e os outros ambientes do planeta terra, já que a biosfera nada mais é do que vários sistemas e subsistemas que interagem entre si. Essa relação de sistemas pode ser cooperativa ou competitiva, dilapidadora ou simbiótica e portanto, em geral, quanto mais harmônicos são os processos, mais favorável é o metabolismo.
A AFM e ACV são as metodologias mais utilizadas e fundamentais, dentro da abordagem teórica do metabolismo urbano, para avaliar a sustentabilidade das cidades.
A AFM tem como propósito tem a contabilização e a análise dos fluxos e estoques de materiais, substâncias, necessidades energéticas e das emissões das cidades. O princípio base é a conservação da matéria, isto é, os fluxos que entram num subsistema são iguais aos fluxos que saem. Com os dados de entrada e saída de materiais e energia de um determinado sistema são geradas as equações de balanço traduzem o funcionamento do sistema.
Já a Análise do Ciclo de Vida (AFM), nada mais é do que, uma metodologia de construção de modelos que representam os fluxos de entradas e saídas de energia, água, produto, alimento ou serviço em todo seu ciclo de vida, desde a extração da matéria-prima, transporte, fabricação, uso, até sua destinação final.
Diversos países e instituições internacionais já perceberam que pensar em soluções para consumo exagerado de recursos naturais da nossa sociedade não é mais uma questão de opção.
Em 2008, instituições de nove países da União Europeia lançaram o Sustainable Urban Metabolism for Europe (SEMA)[2] com o intuito de desenvolver soluções integradas, através da abordagem do Metabolismo Urbano, para o consumo de recursos nas cidades europeias. Mais recentemente, em dezembro de 2017, a ONU Brasil lança um vídeo[3] explicativo sobre o atual ritmo acelerado de consumo dos recursos naturais no mundo e a importância do metabolismo urbano nesse contexto.
Além da energia que se usa efetivamente, todos os sistemas perdem, ou dissipam, quantidades significativas de energia durante seu funcionamento. As transferências energéticas do sistema são feitas com perdas e esse fenômeno é compreendido na física como uma tendência à “desordem”, ou entropia.
Esse tendência à entropia é a base da Segunda Lei da Termodinâmica que diz que todos os sistemas tendem à se desorganizar e para se manterem ordenados gastam muita energia. Aqui entra uma coisa interessante: tender à desorganização é uma lei dos nossos corpos, nossas casas, nossas cidades e do Universo inteiro. Os seres vivos e as cidades são sistemas que necessitam de grandes quantidades de energia para não entrarem em desordem.
Já percebeu o caos que se instaura na sua cidade quando falta luz e água ou quando faltam alimentos e produtos básicos para sobrevivência em locais atingidos por guerras ou desastres naturais? Já imaginou como seria o funcionamento do sistema de transporte da sua cidade se as reservas de petróleo do mundo se esgotassem?
Historicamente, as sociedades sempre usaram os recursos naturais para produzir instrumentos, mercadorias, alimentos, abrigo, etc. Porém, com as revoluções industriais, o desenvolvimento das máquinas e a utilização dos combustíveis fósseis as sociedades intensificaram exponencialmente o uso de matéria e energia, pois as descobertas tecnológicas diversificam e acentuam a produção. A economia antes baseada no trabalho humano passou a se basear nas máquinas, o comercio de produtos foi intensificado, e com isso as atividades exercidas pelos humanos passaram a depender mais do que nos períodos anteriores do consumo de matéria e energia.
É praticamente impossível imaginar o funcionamento das nossas cidades hoje sem a utilização de fontes energéticas não renováveis como os combustíveis fósseis.
Basicamente, os metabolismos das cidades possuem dois tipos de funcionamento: o linear e o circular.
O Metabolismo Linear consiste em um sistema composto por fluxos unidirecionais, em que a maior parte da matéria e energia incorporada ao interior do sistema, é utilizada e ejetada depois como resíduos. Nesses metabolismos muito pouco é reaproveitado, por isso eles precisam de grandes quantidade de recursos e energia para manter o seu funcionamento. A quantidade de energia que precisa entrar nos metabolismo lineares é elevada, bem como a quantidade de resíduos e emissões produzidos, com desperdício de energia e matéria. Já o Metabolismo Circular, imita (mimetiza) os ecossistemas naturais e biológicos que possuem ciclos fechados, nesses metabolismos o que é resíduo para uma atividade é matéria prima para outra e as fontes de energia costumam ser renováveis, assim como na natureza. Os princípios fundamentais dos metabolismos circulares são conservação, recuperação e reutilização.
METABOLISMO LINEAR
METABOLISMO CIRCULAR
Apesar do número crescente de estudos e pesquisas desenvolvidas na área, a maioria dos estudos em Metabolismo Urbano costumam ser teóricos e ainda não saíram do papel, por ser um conceito ainda em fase de desenvolvimento e aprimoramento, e também pela falta de interesse público e da sociedade em geral. Porém, existem alguns casos de aplicação prática dessa metodologia.
Em Estocolmo (Suécia), por exemplo, um projeto foi desenvolvido para revitalizar a área industrial e portuária de Hammarby Sjöstad. O objetivo do projeto foi criar sinergias entre abastecimento de energia, água e gestão de efluentes e resíduos. Os fluxos metabólicos foram reduzidos por causa de um sistema integrado de infraestrutura, foram usadas células de combustíveis, painéis solares, fornos de biogás e telhados verdes. Como resultado se conseguiu reduzir em pelo menos 20% o consumo energético de toda área de Hammarby Sjöstad.
Imagem Aérea de Hammarby Sjöstad [4]
As cidades contemporâneas de todo o mundo possuem em sua maioria metabolismos lineares abertos, consomem muito de outros lugares, possuem uma taxa de reutilização de resíduos muito baixa e altas taxas de desperdício.
Exemplos como o de Estocolmo ainda são pontuais e pouco comuns, porém diante do cenário atual de destruição ambiental, mudanças climáticas e esgotamento de recursos naturais, não podemos mais sustentar nossos modelos de cidades e economia.
Nesse sentido é fundamental que o planeamento e a gestão das nossas cidades incorporem princípios e metodologias sustentáveis. Diante da crescente destruição do nosso planeta por que não aprender com os sistemas naturais, que se sustentam a milhões de anos na terra?
As cidades precisam tornar seus metabolismo mais circulares e sustentáveis, reduzindo os impactos ambientais. Precisamos que as políticas, planos e ações urbanas imitem – mimetizem - os ecossistemas naturais e biológicos, e dessa forma incorporem resíduos de cadeias produtivas como matéria prima para outras, utilizem fontes de energia renováveis de baixo impacto, melhorem a eficiência metabólica em relação ao consumo de água e energia, para assim reduzir os impactos globais.
Não é uma questão de opção, não há como escapar da tendência natural a deserdem que rege o nosso universo, precisamos de matéria e energia para manter o funcionamento do nosso corpo e do local em que vivemos.
É preciso que as cidades e sociedades se transformem para que se sustentem, no contexto atual a abordagem do metabolismo urbano assume um papel fundamental e não pode ser excluído do processo de planeamento e gestão das cidades.
[2] Metabolismo Urbano Sustentável para Europa