Um funcionário da Câmara de Tomar foi denunciado ao Ministério Público por, alegadamente, ter recebido dinheiro ilicitamente pela prestação de determinados serviços a terceiros. A denúncia foi feita pelo vice-presidente do município na reunião de câmara que se realizou na tarde de segunda-feira, 3 de Fevereiro. Hugo Cristóvão afirmou que o caso seguiu para o Ministério Público, tendo-se iniciado averiguações internas na câmara municipal e deverá seguir-se abertura de um processo disciplinar.
“A situação foi reportada e está, à primeira vista, confirmada e indicia uma situação de crime. Foi o município que denunciou a situação ao Ministério Público. Internamente estamos a avançar com um processo de averiguações para um eventual processo disciplinar”, sublinhou. Cristóvão não quis adiantar muito mais sobre o caso. “Não queremos condicionar o trabalho do Ministério Público, até porque sabemos que estas coisas demoram tempo. No entanto, achamos importante reportar esta situação publicamente”, defendeu.
O autarca disse que o município fez o que lhe competia. A nível interno as averiguações já começaram. O vereador adiantou que tendo em conta a suspeita, e tratando-se de um crime, no mínimo o caso pode levar ao despedimento do funcionário”, disse Hugo Cristóvão.
COMENTÁRIO:
No momento em que escrevo, desconheço (por opção própria) a identidade do colega trabalhador do Município de Tomar, o qual viu os seus direitos enquanto trabalhador e, a acreditar na notícia, na sua eventual condição de arguido - após a necessária aferição pelo Ministério Público, expostas desta forma por um dirigente do Município, neste caso por um eleito local - Vereador.
Antes de mais convém que percebamos que o Hugo Cristóvão, não é um estranho à administração pública, tendo antes de ser feito, leia-se eleito, vereador, exercido funções de dirigente no extinto Instituto Português da Juventude (2005-07) e como sub-diretor do extinto Agrupamento de Escolas da Freixianda (2010-12).
Ou seja, exerceu funções dirigentes, tendo responsabilidades diretas sobre funcionários públicos, quer do regime geral, quer de corpo docente (regime especial), quer em contrato individual de trabalho. Ou seja, geriu recursos humanos e, sei-o bem, teve de acompanhar processos disciplinares levantados a trabalhadores.
Deveria assim saber, quer pelas experiências anteriores, quer pelo mais elementar bom senso que não se expõe NENHUM trabalhador publicamente, a uma vexatória condenação na praça pública.
Mas Hugo Cristóvão, não se coibiu de mesmo antes de qualquer finalização de procedimento disciplinar - o qual ainda não foi sequer iniciado (mas apenas, segundo a notícia, o respetivo processos de averiguações), nem de decisão do Ministério Público, sobre as imputações que a administração municipal sobre ele tidas, vir anunciar estrondosamente tal facto.
Juro que NUNCA, em mais de 30 anos de funções públicas, vi tal coisa e, muito menos, um Vereador armado em justiceiro, anunciando que o mesmo processo (ainda não iniciado), pode levar à "expulsão" da administração pública.
A desfaçatez ética, a total ausência de humanidade na atuação e prepotência néscia que tal atitude repassa, não é compatível com a elevada estatura a que, sempre o Hugo se alcandurou e que, diga-se em abono da verdade, durante alguns anos, acreditei ele ter.
O que Hugo Cristóvão, se estivesse a atuar de boa fé, fosse gestor público eivado de bom senso nas suas decisões, e afirmações, deveria saber era que:
Princípios fundamentais da Administração Pública
A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Os respetivos órgãos e trabalhadores estão subordinados à Constituição e à Lei – princípio da legalidade – e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artigo 266.º da CRP e artigos 3.º, 4.º e 6.º a 10.º do CPA). ***
Os demais princípios gerais da atividade administrativa pública, de entre outros, os da boa administração, da colaboração com os particulares, da participação, da decisão, da responsabilidade, da administração aberta e da proteção de dados pessoais são aplicáveis ao procedimento disciplinar e devem ser conjugados com os princípios basilares do direito sancionatório público e com os princípios do regime disciplinar público (artigos 5.º e 11.º a 19.º do CPA).
Outros princípios do procedimento disciplinar público
Princípio do exercício procedimentalizado do poder disciplinar - não pode haver lugar à aplicação de uma sanção disciplinar, à excepção da aplicação da sanção disciplinar de repreensão, sem que tenha sido previamente organizado o competente procedimento disciplinar, e sem que tenha sido dada oportunidade ao trabalhador para apresentar a sua defesa – artigos 194.º, n.º 1 e 298.º da LTFP.
Princípio da unidade da infração disciplinar – não pode ser aplicada mais de uma sanção disciplinar, por cada infracção praticada, por infracções acumuladas que tenham sido apreciadas num único processo, ou por infracções que tenham sido apreciadas em processos que foram apensados, independentemente do facto das mesmas se terem prolongado no tempo – artigos 180.º, n.º 3 e 199.º n.º 1, da LTFP.
Princípio da publicidade do processo disciplinar – o processo disciplinar só tem natureza secreta até à dedução da acusação, sem prejuízo da faculdade, que poderá ser concedida ao trabalhador, de poder consultar o processo na fase de instrução, embora sujeito ao dever de sigilo, podendo consubstanciar a quebra deste dever de sigilo a prática de infração disciplinar – artigo 200.º da LTFP.
Princípio da autonomia processual – o procedimento disciplinar é independente e autónomo do processo-crime, sendo diferentes os pressupostos da respetiva responsabilidade e diversa a natureza e finalidade das sanções aplicadas nos respectivos processos – artigo 179.º, n.º 3 da LTFP.
Princípios basilares do direito sancionatório público
Princípio da culpa – a aplicação de uma sanção pressupõe sempre a existência de culpa, consubstanciada num juízo de reprovação e/ou de censurabilidade, pelo facto de o trabalhador não ter atuado, de acordo com os deveres funcionais que conhecia ou podia/devia conhecer, encontrando-se em condições de o fazer e de se motivar por eles – artigo 29.º, n.º 4 da CRP e 183.º da LTFP.
Princípio do contraditório/audiência e defesa – reconhece ao trabalhador o direito de ser ouvido em qualquer fase do processo, de se pronunciar, de impugnar todos os testemunhos/depoimentos e/ou demais elementos de prova juntos ao processo – artigos 32.º, n.º 10 e 269.º, n.º 3 da CRP, artigos 203.º e 214.º a 218.º da LTPF.
Princípio da presunção de inocência - todo o trabalhador se presume inocente até ao trânsito em julgado da condenação – artigo 32.º, n.º 2, da CRP e artigo 204.º da LTFP.
Princípio do “In Dubio Pro Reo” – a prova recolhida tem de legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados, para além de toda a dúvida razoável, de forma a poder ser aplicada uma sanção. Princípio do “Non Bis In Idem” – ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto – artigo 29.º, n.º 5 da CRP.
Princípio do inquisitório – o instrutor tem o poder/dever de proceder à realização de todos os atos de instrução, que considere convenientes e necessários para a instrução do procedimento disciplinar, com vista à descoberta da verdade material dos factos, podendo também adotar as providências que se afigurem convenientes, em conformidade com os princípios gerais do processo penal – artigo 58.º do CPA e artigos 201.º, n.º 2 e 212.º da LTFP.
Ora pela leitura dos vários princípios supra e - apenas no contexto do processo disciplinar (de caráter administrativo) levantado pelo Município, se torna evidente que o Hugo Cristóvão, enquanto dirigente do Município de Tomar VIOLOU vários dos direitos que estão consagrados ao trabalhador em causa, não prestando dessa forma bom serviço à causa pública, à democracia e ao estado de direito.