Há 50 anos a terra tremeu e o país entrou em pânico
De madrugada, o país sai para a rua, do Algarve ao Minho, assustado com o sismo de 1969. As manchetes dos jornais da época davam conta disso mesmo. Estará Portugal preparado para este tipo de desastre natural?
A 28 de Fevereiro de 1969 Portugal sentiu o seu último grande sismo, o mais importante em termos de efeitos sentidos em Portugal e na Europa desde 1900 até à actualidade. Com epicentro no mar, cerca de 200 quilómetros do cabo de São Vicente (no concelho de Vila do Bispo, Algarve) e 250 da capital, o sismo ocorreu de madrugada, pelas 3h41, com uma magnitude entre os 7,3 e os 7,9 graus. Foi sentido em todo o país e o medo que provocou está patente nas primeiras páginas dos jornais da época e que agora, 50 anos depois, podemos ver num dossier organizado pela Hemeroteca Municipal de Lisboa. “Noite de pânico”, escreveu o Diário de Lisboa, enquanto O Século sublinhava o “pânico e prejuízos em todo o país”. Para assinalar este sismo e falar de riscos sísmicos, há uma cerimónia de evocação esta quinta-feira de manhã na Fortaleza de Sagres (um dos locais afectados), onde estará o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e uma outra em Lagos.
Há 50 anos, o sismo não só causou danos materiais (ainda que não tenham sido muito relevantes) como originou 13 vítimas mortais em Portugal Continental, sobretudo na zona litoral do Algarve – duas mortes como “consequência directa do sismo e 11 indirectas”, escrevem os geofísicos Miguel Miranda e Fernando Carrilho, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), na introdução do dossier digital da hemeroteca intitulado “Sismo de 1969 na imprensa portuguesa”. “O sismo provocou alarme e pânico entre a população, cortes nas telecomunicações e no fornecimento de energia eléctrica”, recordam ainda Miguel Miranda e Fernando Carrilho.
Foi no Algarve que o sismo teve uma maior intensidade, ou seja, que os seus efeitos mais se fizeram sentir. Depois de a crosta terrestre que originou o abalo se ter rompido no mar – e que teve epicentro entre o banco de Gorringe e a planície abissal da Ferradura –, ocorreu ainda um pequeno tsunami. Registado por instrumentos, essa onda de pequena dimensão originada pelo sismo passou, no entanto, despercebido para a população. Os países vizinhos, como Espanha e Marrocos, também sentiram o abalo e reportaram vítimas. O sismo foi sentido até 1300 quilómetros de distância do epicentro – em Bordéus (França), em Marrocos e em Espanha, nomeadamente nas ilhas Canárias.
Ainda que tenha sido mais importante em termos de efeitos sentidos, se olharmos para a sua magnitude (energia libertada) ou o número de mortes, o sismo de 1969 não foi o maior que atingiu Portugal durante o século XX. Em 1941, ao largo de Portugal, gerou-se um sismo 8,4 de magnitude, diz-nos Miguel Miranda, actual presidente do IPMA. Em 1980, o sismo que provocou grande destruição em Angra do Heroísmo (com 6,8 graus de magnitude) matou 61 pessoas, 400 ficaram feridas e desalojou 21 mil. Se recuarmos até ao início do século XX, em 1906 o sismo de Benavente (a localidade mais destruída, onde foi o epicentro), e que teve uma magnitude à volta de seis, causou 46 mortes e 75 feridos.
E se formos até ao século XVIII, o sismo de 1755 – com cerca de 8,8 graus de magnitude – arrasou Lisboa, sobretudo devido ao grande tsunami que gerou.
“Não é futurologia, é uma realidade”
Será que estamos agora preparados para outro grande sismo? “A rede sísmica melhorou muito desde o sismo de 1969 em diversas etapas nos anos 80, 90 e 2000”, diz Fernando Carrilho. “Do nosso ponto de vista [do IPMA], o que ainda pode faltar é sermos capazes de caracterizar ao detalhe, de forma muito fina e rápida, a distribuição da intensidade [os efeitos], para percebermos o impacto que um sismo vai ter”, considera o geofísico, dando o exemplo do Japão, um país fustigado por estes fenómenos que “tem quatro redes sísmicas online que cobrem todo o país de forma excepcional para monitorização”.
Já Olavo Rasquinho, até há poucos dias presidente da Associação Portuguesa de Meteorologia e Geofísica, diz que há “falta de rigor na aplicação da regulamentação sobre a construção e os riscos sísmicos”.
Na mesma linha de pensamento, o geofísico Luís Matias, do Instituto Dom Luiz, em Lisboa, e membro da direcção Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica, destaca precisamente que “não são os sismos que matam as pessoas, mas os edifícios”. E sublinha um memorando enviado ao Governo pela Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica, em Setembro de 2018, para a diminuição do risco sísmico, como um melhor controlo dos projectos de construção de edifícios e uma maior intervenção das autoridades competentes para avaliar uma eventual reabilitação ou demolição de edifícios. Até porque a construção civil tem estado a reinventar-se ao nível do restauro de edifícios: “Temos também de saber reconstruir melhor, atendendo ao aumento da actividade de restauro que não está a salvaguardar a vulnerabilidade sísmica”, acrescenta o geofísico.
“O risco sísmico vem de três factores: perigosidade, não sabemos quando os sismos vão acontecer; vulnerabilidade dos edifícios, podemos construir melhor; a exposição, se tivermos pessoas e valores dentro de um interior, há sempre risco e é elevado”, resume Luís Matias.
Para assinalar os 50 anos do sismo, Luís Matias, em colaboração com a hemeroteca de Lisboa, organizou um dossier digital que reúne vários jornais portugueses com notícias do sismo de 1969. O República pôs em manchete que “A terra tremeu”, acrescentando depois: “Tomada de pânico, milhares de pessoas fugiram para a rua em trajos menores.” O Diário de Notícia escreveu “forte tremor de terra sacudiu quase todo o país”. Já o Comércio do Portodisse: “O violento fenómeno telúrico que fez tremer o solo desde o Algarve até ao Minho”. Esta recolha, disponível online a partir desta quinta-feira no site da hemeroteca, vai dar lugar à exposição “O sismo de 1969 na imprensa portuguesa”, que andará por vários pontos da cidade de Lisboa.