(Tomar, na rota e na vida de António Arnaut, na fundação do Partido Socialista)
Por FERNANDO MADAÍL , DN 2/2/2008
É hoje o militante nº 4 do PS, que ajudou a fundar após espatifar um 'Opel' - O Opel Ascona - que, no Portugal de então, para evitar confusões, se chamava Opel 1604 -, novinho de oito dias, estava destruído, mas António Arnaut evitava que a polícia tomasse conta da ocorrência.
Aceitou as desculpas da senhora que, numa curva junto ao cruzamento da barragem de Castelo do Bode, tinha atravessado a faixa de rodagem e atirado o seu carro para a ravina. Surgiu ali, por acaso, um conhecido, a quem o advogado de Coimbra confiou o automóvel. Levou o amigo Fernando Valle, então com 73 anos, a fazer um curativo ao hospital de Tomar e seguiram, na companhia de Fernando Borges, até Lisboa num táxi.
Naquela tarde de Abril de 1973, o futuro ministro dos Assuntos Sociais e os seus camaradas preparavam- -se para apanhar avião para Zurique, uma das escalas dos socialistas portugueses que se iam reunir em Bad Munstereifel, onde a ASP (Acção Socialista Portuguesa) se transformaria no PS.
Natural da localidade de Cumieira, concelho de Penela, onde nasceu a 28 de Janeiro de 1936, licenciou-se em Direito, em Coimbra, em 1959. Integrou a comissão distrital da candidatura de Delgado e, por subscrever um abaixo-assinado de católicos progressistas, foi arguido num processo instruído pela PIDE, de que seria amnistiado.
Em 1965, ao proferir uma palestra no Teatro Avenida, onde estava Torga, o escritor sugeriu a Fernando Valle que convidasse aquele jovem para a ASP, a que Arnaut aderiu em 1966. A partir daí, A. Duarte Arnaut (então, o seu nome profissional) passa a surgir associado àquela corrente oposicionista. Integrou a lista da CDE em 1969 e, em 1973, apresentou uma comunicação no Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro.
Em Bad Munstereifel, por indicação de Soares, Arnaut preside às sessões e, apesar do seu voto ter sido contra a decisão, a ASP transformava-se em partido político, garantindo assim o assento na Internacional Socialista sem ser com o mero estatuto de observador. Arnaut dactilografaria também a acta desse histórico dia 19 de Abril, terminando o texto com a frase: "Eram 18 horas."
O programa, que os exilados Soares e Tito de Morais levariam a Vigo, entrou em Portugal na roupa das mulheres dos três socialistas que foram à Galiza: além de Arnaut, António Macedo e Marcelo Curto.Presidente da Comissão Administrativa da Câmara de Penela após o 25 de Abril, no 1.º de Maio de 1974 discursa no estádio universitário de Coimbra perante uma multidão que Torga definiu como "colossal cortejo".
A 1 de Junho, está no primeiro comício do PS em Coimbra; depois no que teve a presença de Mitterrand; certa ocasião, recordará Fernando Valle, "esteve a falar duas ou três horas num comício na Praça 8 de Maio", enquanto esperavam por Soares, "que se atrasava sempre".Deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República (chegaria a ser vice-presidente do parlamento), inicialmente apontado para a pasta da Justiça, foi convidado para ministro dos Assuntos Sociais (reunia as pastas da Saúde e da Segurança Social) do II Governo Constitucional, resultante da efémera coligação entre o PS de Mário Soares e o CDS de Freitas do Amaral.
Durante algum tempo, quando os jornalistas, que sabiam que ele teria estado a preparar a sua ida para o outro ministério, lhe lembravam esse facto, alegava que era "ministro da justiça social". Apesar de ser o gabinete com formação mais à direita que se formara desde o 25 de Abril, tinha no programa o Serviço Nacional de Saúde (SNS), sempre aplaudido pela esquerda. Assume a responsabilidade política da Lei 56/79, aprovada pelo parlamento quando o PS já tinha saído do poder, mas lembra que a parte técnica foi desenvolvida por Mário Mendes, Miller Guerra, Gonçalves Ferreira e por um então jovem professor da Escola Nacional de Saúde Pública, Correia de Campos.
Caiu o Governo e, depois, Soares recusou apoiar a recandidatura presidencial de Eanes. Um dos críticos desta decisão foi Arnaut. No IV Congresso, em 1981, defrontavam-se soaristas e Ex-Secretariado - cujos "sete magníficos" eram Zenha, Arnaut, Sampaio, Constâncio, Guterres, Miller Guerra e Ramos da Costa. Após a derrota desta linha e do seu afastamento da lista de deputados, crítico do Bloco Central e apoiante da candidatura presidencial de Zenha contra Soares, afastou-se da actividade partidária, embora nunca se desfiliando - é hoje o militante nº 4, após Soares, Maria Barroso e António Campos.
Agora, é o primeiro subscritor da petição à Assembleia da República em defesa do SNS, que deve ser encarado como "imperativo nacional", pois já na época em que surgiu "foi uma reforma mais ética que ideológica". Classificaria a actuação do ministro, em declarações ao Expresso, como "ultraliberalismo sem regras e à solta".
Após a sua queda, reconhece ao DN que Correia de Campos "tinha razão em muitos aspectos da reforma, mas faltou-lhe sensibilidade social e espírito de diálogo". E à agência Lusa, lamentando que "poucas vozes se levantem em defesa da maior conquista social do século XX português", acrescentaria que, "se [o Partido Socialista] não quer mudar de nome, tem de defender certos valores que fazem parte da sua matriz". Afinal, fala com a autoridade de quem espatifou um Opel para fundar o PS.