O presidente do IPMA, em entrevista à TSF, cuja notícias pode aqui ser lida, reflete sob o ponto de vista técnico, da cada vez maior divergência entre os modelos de análise e as consequências da imprevisibilidade do risco de incêndio.
As alterações climáticas, observadas nos últimos séculos, pelas razões que continuam a ser alvo de estudo e análise, entre as quais se destacam as naturais - dos ciclos solares, da rotação da terra, da circulação oceânica, do vulcanismo e as antropogénias, com a emissão cada vez maior de gases de efeito de estufa - desde logo pelos dois mais significativos: a água e o dióxido de carbono, obrigam a que todos os modelos se adaptem e consigam prever melhor os riscos a que estamos sujeitos.
O Prof. Luciano Lourenço, da Universidade de Coimbra, numa sua abordagem sobre o risco e o perigo de incêndio (que pode ser lido aqui), chama-nos à atenção para isso mesmo: a diferença entre os conceitos (vidé infogravura abaixo)
https://www.uc.pt/fluc/nicif/Publicacoes/Colectaneas_Cindinicas/Download/Colecao_II/Artigo_VI.pdf, página 167 |
A formulação dos índices foi evoluindo, desde que nos anos 60 do século passado o Instituto de Meteorologia o foi disponibilizando e, se num momento inicial apenas avaliava a temperatura e a humidade relativa, o mesmo foi tomando maior complexidade, introduzindo outros fatores, como o vento e o histórico.
A conclusão tirada pelo Prof. Luciano Lourenço, no referido paper, é aqui relevante:
https://www.uc.pt/fluc/nicif/Publicacoes/Colectaneas_Cindinicas/Download/Colecao_II/Artigo_VI.pdf, página 173 |
Ela permite-nos avançar para outro tipo de análise e discussão, relacionado com a ignição - a tal que transforma o RISCO em PERIGO, mas que não pode esquecer a densidade e perigosidade florestal, esta também relacionada com a espécie que ocupa o solo, que solo e qual a mancha de continuidade que tem no território.
Convém termos a noção que a nossa Floresta é composta no essencial por Sobreiros e Azinheiras - concentrados no Centro-Sul do país e por Eucaliptos e Pinheiros Bravos, essencialmente concentrados no Centro-Norte do País, em contínuos florestais de dezenas de quilómetros. (Ver súmula histórica da Floresta em Portugal aqui)
Evolução da ocupação das principais espécies e formações florestais desde 1902 a 2010 (Fonte de dados: ICNF). |
A pluviosidade média, ao longo das últimas décadas, não tem tido alterações significativas - consultar dados agregados da Pordata (período 1960-2018). Aliás, se tomarmos como exemplo a cidade de Lisboa, temos que a média anual foi:
Entre 1960-69, de 862mm (1 ano abaixo de 600mm e 2 anos acima de 1000mm);
Entre 1970-79, de 740mm (3 anos abaixo de 600mm e nenhum ano acima de 1000mm);
Entre 1980-89, de 682mm (5 anos abaixo de 600mm e 1 ano acima de 1000mm);
Entre 1990-99, de 750mm (3 anos abaixo de 600mm e 2 anos acima de 1000mm);
Entre 2000-09, de 753mm (3 anos abaixo de 600mm e nenhum ano acima de 1000mm);
Entre 2010-18, de 901mm (2 anos abaixo de 600mm e 3 anos acima de 1000mm, sendo um dos quais acima de 1500mm - 2010);
[pluviosidade média anual no período de 1960-2018, foi de 779mm]
Ou, se quisermos ser rigorosos, em cada década nos últimos 60 anos, há em média 3 anos mais secos e 1 ano excessivamente pluvioso. Constata-se uma pluviosidade média que se reduziu da década de sessenta até à década de oitenta (cerca de 21%) e que desde aí vem aumentando cerca de 10% por década.
Não é assim, como constatamos, a falta de chuva o principal fator, nem a sua irregularidade, uma vez que não se deteta qualquer padrão significativo, que não seja já uma característica do nosso clima mediterrânico.
Talvez por isso, devamos considerar que a existência de cada vez maiores extensões de contínuos florestais - grandes consumidores de água do solo e sub-solo, que ajudam a alimentar quaisquer fogos emergentes, pela carga de combustível que têm, especialmente concentrados na faixa do centro-norte do país, justifique que o RISCO se transforme em PERIGO emergente, bastando apenas a tal ignição - muitas das vezes de origem antropogénia.
Não há, por isso, como fugir da grande questão: a adaptação às alterações climáticas que observamos no mundo e em Portugal, exigem de nós que estabeleçamos uma estratégia de contínua redução da ocupação de floresta em Portugal - especialmente das espécies menos resistentes ao fogo - os Eucaliptos e os Pinheiros Bravos e especialmente no Centro-Norte de Portugal.
Só para termos a noção, estima-se que atualmente Portugal tenha mais do dobro da área florestal que tinha há 150 anos atrás, tendo esta crescido brutalmente em todos os distritos do Centro-Norte do País.
Enquanto não fizermos isto, vamos continuar a ter mortes - muitas mortes, em resultados de fogos florestais, cada vez mais incontroláveis, de maior área e sem que possam existir meios suficientes para lhes fazer face.
Eu, sem qualquer modéstia, tentei quando responsável pela proteção civil - em 2010 e 2011 de um Concelho com apenas 350Km2, metade do qual ocupado por Floresta - sendo quase 80% desta ocupada por Eucaliptos e Pinheiros Bravos, obrigar a que naquilo que era a autorização de plantação dada pelo Município, se garantisse uma redução anual mínima de 1% da área ocupada por Floresta e de 2% da redução da área ocupada por espécies de crescimento rápido. Tentei. E sei que estava correto. O tempo e os factos posteriores só me vêm dando razão:
DEMASIADA FLORESTA;
DEMASIADA ÁREA DE EUCALIPTOS E PINHEIROS BRAVOS;
DEMASIADO RISCO E DEMASIADO PERIGO;
DEMASIADAS MORTES E PREJUÍZOS À COMUNIDADE.
Até quando?