18.11.19

OS BOMBEIROS E A GESTÃO CASUÍSTICA*



Recordo bem que há mais de um quarto de século atrás, quando tive a oportunidade de pela primeira vez acompanhar com maior detalhe a vida autárquica, alguém me ter dito que dois setores onde nunca deveria “meter os pés”, seriam os dos lixos e dos bombeiros. O preconceito era demais evidente nessa abordagem, a qual vinha normalmente acompanhada pela sempre malfadada observação de que “os bombeiros são gente difícil” e aquilo “queima sempre os responsáveis, pois eles nunca estão satisfeitos”.

Mormente esse aviso e, após cinco anos a acompanhar o setor da proteção civil, por força das responsabilidades que tive no extinto gabinete do Governador Civil de Santarém, como seu Adjunto, acabaram por me catapultar a ter responsabilidade direta nos Bombeiros Municipais de Tomar, durante mais de dois anos. Garanto que nunca, em nenhum momento, duvidei do erro da observação que me haviam feito quase duas décadas antes, uma vez que nos Bombeiros encontrei gente solidária, empenhada, séria e disposta a dar muito mais do que recebia. Naturalmente que, como em qualquer organização humana, mormente aquelas que funcionam 24/24 horas 7/7 dias na semana, existem conflitos, incompreensões, dificuldades de toda a ordem, mas de todas a mais difícil, acreditem mesmo, foi a dificuldade de fazer ver fora dos Bombeiros, nomeadamente com os demais autarcas, fossem eles Presidentes, Vereadores, Deputados Municipais ou Presidentes de Junta de Freguesia, a especificidade e a grandeza e alcance que este setor podia, especialmente em Tomar, ter.

As circunstâncias da gestão anterior à minha chegada haviam conduzido a uma despesa de quase 1 milhão€/ano e uma receita que não chegava aos 115.000€. Com o esforço encetado em conjunto com o Comando por um lado, com a Associação dos Bombeiros – não a Liga que é uma outra Associação e com a vereação de então, conseguiu-se sem significativo aumento de despesa, guindar a receita para cerca de 300.000€/ano e subir o numero de serviços realizados em cerca de 15%, para cerca de 9000/ano. De recordar que esses anos – 2010 e 2011, foram anos em que não houveram demasiados incêndios no Concelho e que o aumento de serviços se deveu essencialmente à melhoria da organização, da eficácia e da eficiência do transporte de doentes. Nunca até então tinha havido uma tabela de preços de serviços legal, nem havia a preocupação de cobrar os serviços prestados e nunca pagos. Vivia-se até então, uma gestão casuística, evitando ao máximo os responsáveis políticos de se envolverem na gestão dos Bombeiros Municipais que, sendo Municipais, são pagos integralmente com o dinheiro dos Munícipes e são uma unidade orgânica, como qualquer setor do Município de Tomar.

Os anos que se seguiram permitiram acentuar o pendor de maior profissionalização necessária, melhor organização do serviço de ambulâncias e, finalmente ainda antes da entrada deste executivo, mas essencialmente com este, começou a gradual e sistemática substituição das velhinhas ambulâncias dos Municipais de Tomar, onde também a outra Associação existente – a Liga dos Amigos dos Bombeiros, através dos seus associados, deu o seu contributo.



Esse esforço foi complementado com a entrada, só nos anos de 2014-15, de 14 novos bombeiros para o mapa de pessoal do Município, aumentando a força de trabalho em mais de 40%.




Tal esforço, já se refletia no final de 2015, quando saí de funções, a meu pedido, do gabinete da presidência do Município, em receitas anualizadas na casa dos 450.000€, para uma despesa de cerca de 1,1 milhões€, com um número de serviços de cerca de 10.000/ano. Mas, de novo a gestão casuística parece ter imperado, por razões que desconheço, pelo que hoje, no completar de mais um aniversário dos Bombeiros – cumpridos a 24 de fevereiro de 2018, me informam que há cada vez menos serviços de ambulância a serem realizados e que a receita vem, paulatinamente caindo, não sendo otimizados os recursos Humanos e materiais (Ambulâncias) existentes.

E não, a culpa não é dos Bombeiros, gente séria e empenhada que só não faz mais, porque não lhes dão condições e orientações adequadas para que o enfoque seja, sempre, na melhoria e aumento dos serviços realizados à população do Concelho. No fundo, foi para isso que há quase um século a Câmara de então decidiu criar um Corpo de Bombeiros Municipal, uma exceção num País que tem apenas 27 Municípios (em 308), com Bombeiros Sapadores ou Municipais.

Haveria, por exemplo, necessidade efetiva do abate de mais uma ambulância nos últimos tempos, sem garantir a necessária e antecipada substituição por outro equipamento novo? Justifica-se que não haja valorização do empenho do serviço de voluntariado para o transporte de doentes e a maior otimização das equipas permanentes de profissionais, que possam estar disponíveis para tirar partido dos meios existentes? Após as obras, qual a razão objetiva para a completa desativação do Salão de Festas dos Bombeiros, de utilização multifacetada e que já serviu para n operações de proteção civil, além de ser por vezes uma boa fonte de receitas, para a Associação de Bombeiros e para o próprio Município?

Efetivamente o caminho da profissionalização, encetado em 2002, no qual humildemente me empenhei fortemente em 2010-11 e posteriormente no gabinete da presidência, em 2013-15, vem sendo seguido e deve continuar: valorizando a formação dos Homens, a sua progressão de carreira, a sua integração na carreira de bombeiros, daqueles que já tendo os requisitos habilitacionais e formativos, assim o possam fazer. Mas isto sempre com a componente de voluntariado complementar à essência do objetivo histórico do “dar vida, por vida”, pelo bem e pelo serviço ao Concelho de Tomar e aos seus Munícipes. Não. Não queremos que metade dos nossos doentes continuem a ser transportados por outros. Nós que pagamos, exigimos serem os Bombeiros de Tomar a fazer o que lhes compete e não outros! Porque eles e nós merecemos.

Um bem haja a todos e, parabéns!


*Luis Ferreira, ex-vereador da Proteção Civil e Bombeiros





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