20.5.19

As cheias e as inundações - breve abordagem do caso de Tomar

Todos sabemos que, no decurso da atividade normal da Terra, o Homem está sempre sujeito a que os cursos de água, junto dos quais sempre viveu, para se abastecer de água, de alimento e de forma rápida de se poder transportar, possam muitas das vezes transbordar, originando cheias. As cheias sempre originam inundações - que mais não é do que a submersão de áreas habitualmente emersas, mas nem sempre as inundações são provocadas por cheias.

Marcas da maior cheia registada em Tomar - na Farmácia Central, Rua Serpa Pinto


Estas podem ser progressivas, rápidas, por subida da toalha freática em vales profundos, por alagamento ou por galgamento, sempre que estamos a falar de proximidade à costa.

A sua consequência direta, muitas das vezes positiva, na reposição de nutrientes em vales de deposição detrítica, na remoção de excedentes tóxicos, tem também os seus aspectos negativos, relacionados com a perda de vidas, o isolamento de populações, com consequente condicionamento da sua vida quotidiana, a danificação de infra-estruturas de suporte normal das comunidades - estradas, redes de águas e saneamento e os efeitos indiretos, que se medem pelo prolongar no tempo das perturbações nas atividades económicas e da vida das gentes.

As principais medidas, atendentes à redução do risco inerente são do tipo:
- Conservação, com introdução de critérios de ordenamento do território, procurando antecipar consequências, mitigando o risco e reduzindo as vulnerabilidades teóricas
- Correçãoatuando previamente nos conhecidos pontos críticos do sistema;
- Restauração, que procura reestabelecer as características naturais dos canais fluviais e dos ecossistemas ripícolas;

Nos últimos anos tem-se defendido cada vez mais outras formas de controlo das cheias como alternativa às grandes obras de engenharia.

Uma política de gestão e de ordenamento do território e um bom zonamento de atividades e infra-estruturas, podem substituir no futuro as antigas soluç~eos de "correr" atrás do prejuízo.

Nesse sentido, as intervenções realizadas no vale do Nabão - na sua área urbana, nos anos de 2007-8, permitiram reduzir o risco inerente às cheias rápidas que neste vale se observavam historicamente. As cheias com retorno de 10 anos, observaram-se no decénio seguinte em valores hidrométricos - medidos no Agroal, em mais 30-50% dos anteriores, sem quaisquer consequências na cidade.

No entanto é necessário manter e melhorar, em permanência o vale, com mais instrumentos de monitorização, mais atividades de conservação e de correção, de forma a que no próximo ciclo de cheias do vale - que pode a qualquer momento acontecer, a cidade esteja mais resiliente e, por isso mesmo as consequências sejam menores.

A Teoria da adaptação geral ao risco de cheia, de KATES, BURTON & WHITE, assume que a passagem de um padrão de ajustamento para o seguinte - como aquele em que vivemos atualmente em Tomar, implica transpor um limiar do que é socialmente considerado um risco aceitável.

E, para que conste, convém saber que os três limiares definidos, são:
- O limiar da consciência, que marca a passagem da ignorância do risco para o seu conhecimento - o que em Tomar não é neste momento linear que exista, uma vez que nenhum dos atuais atores viveu a emergência deste perigo ou parece tê-lo em atenção nas suas políticas regulares;
- O limiar da ação, que marca a passagem para a redução das perdas, por atividades de correção, o que foi realizado pela última vez em 2015, apenas e só pela continuação da inércia das atividades desenvolvidas no leito do rio na campanha de 2010-11;
- O limiar de tolerância, que marca a passagem de ajustamentos de redução dos danos, para ajustamentos de evitar o perigo. Esta alteração corresponde à percepção dos riscos - de cheia, como intoleráveis e à modificação radical da ocupação da zona do leito de cheia. Esta avaliação social do risco - como por exemplo com a proibição de qualquer construção no arco a sul da ponte das Ferrarias, incluindo toda a zona de Carvalhos de Figueiredo, tem fortes implicações na aceitabilidade social de tais medidas.

Os trabalhos realizados nas campanhas de 2007-08 e de 2010-11, prosseguidas em 2015-16, não retiraram o risco de cheia do vale do Nabão, mas puderam eventualmente torná-lo aceitável na zona da cidade.

Imagine-se uma cheia, como as de 1979 e de 1989, onde a cidade, literalmente cortada em dois, só manteve a sua vida normal, com atravessamento das pessoas em "pás" das retros de um lado para o outro da cidade.
@Tomarnarede - cheia de 1989


É urgente, antes do próximo ciclo de cheias, programar mais monitorização e um plano geral de intervenção anual, de forma a manter o risco de cheia em valores socialmente aceitáveis.

Equipa da Proteção Civil Municipal, durante o Tornado de 2010