5.7.16

"Só é vencido, quem desiste de lutar" - Salgado Zenha: o líder perdido

Francisco de Almeida Salgado Zenha, nascido a 2 de maio de 1923, foi um advogado e político português que dizia frequentemente que "Só é vencido, quem desiste de lutar", na assunção de princípios onde o homem que nunca desfaleceu nas suas lutas e a quem todos reconheciam uma grande disponibilidade para a ação.
 
Salgado Zenha nunca deixou, em momento algum, de deixar de erguer a sua voz para defender os seus ideais. De quem com ele privou durante décadas, destacavam-lhe e elogiavam-lhe a serenidade, a confiança, a tenacidade e a perseverança, mas, sobretudo, a tolerância e os esforço que fazia para compreender o seu semelhante. Segundo o seu colega de profissão, José Carlos Vasconcelos, "ele tinha uma visão de longo alcance e defendia o que considerava melhor para o País, mesmo que isso lhe trouxesse - a si, ao PS o seu partido de sempre, prejuízos imediatos".
 
No início dos anos 40 do século XX, estava em Coimbra a cursar Direito e era comunista, mas não integrava o principal movimento "diferente" existente na academia coimbrã ao tempo: o grupo neo-realista.
 
Foi eleito Presidente da Associação Académica de Coimbra, em dezembro de 1944, tendo sido o primeiro a ser eleito pelos estudantes em assembleia magna.
Mas o seu mandato durou escassos meses, uma vez que em maio se recusou a participar numa manifestação de agradecimento a Salazar, pela neutralidade de Portugal na II Guerra Mundial.
 
Conheceu Mário Soares em 1946 nas Juventudes Comunistas Portuguesas e com ele estabeleceu uma amizade que durou décadas, tendo começado a exercer a advocacia em 1948, especialmente em defesa dos presos políticos e católicos críticos do regime fascista português.
 
Esteve envolvido nas campanhas de Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958), tendo sido várias vezes detido pelas suas opiniões e ação política constante, mesmo quando se afastou do movimento comunista e integrou primeiro a resistência republicana e socialista, depois a ação socialista portuguesa, da qual viria a surgir em 1973 o Partido Socialista, do qual foi membro fundador.
 
A amizade entre Zenha e Soares era mítica e nos primeiros comícios do PS, após o 25 de abril de 1974, muitas das vezes se ouvia o slogan: "Mário e Zenha, não há quem os detenha!".
 
Foi o Ministro da Justiça dos quatro primeiros governos provisórios instalados em Portugal, entre 1974 e 1975 e das Finanças no VI Governo Provisório, tendo sido a sua maior atuação a negociação da legalização do divórcio civil dos casamentos católicos e a luta que travou contra  a unicidade sindical, defendida pelos comunistas, na tentativa de manter única a central sindical CGTP-Intersindical, sem garantir o pluralismo de representação dos trabalhadores, na boa senda estalinista.
 
Foi nesta ocasião que terá realizado o seu mais eloquente e importante discurso da sua vida, contra a unicidade sindical, em janeiro de 1975, num espetacular comício no Pavilhão dos Desportos em Lisboa.
 
Depois das eleições legislativas de 1976, com a vitória do PS com maioria relativa, Salgado Zenha assumiu a liderança do grupo parlamentar, tendo aí começado as divergências com Mário Soares, as quais definitivamente se deterioraram em 1980 quando Soares retirou o apoio à candidatura presidencial de Ramalho Eanes, o que levou à maior crise de sempre - até 2014, com a luta entre Seguro e Costa, que se observou no PS. Nessa altura praticamente todo o Secretariado Nacional, escolhido por Soares, decidiu desautorizar o então secretário-geral, com Zenha a liderar esse movimento e apoiar Ramalho Eanes o que levou à situação histórica única em que um Secretário-Geral de um Partido se tenha "auto-suspendido" até às eleições.

Ramalho Eanes ganharia, Soares retomaria a liderança do PS e nas eleições legislativas seguintes (1983), todos os que estiveram contra ele foram afastados das listas de deputados, onde pontuavam além de Salgado Zenha, Jorge Sampaio e António Guterres.

Em 1985 Salgado Zenha encenou o último ato da sua brilhante carreira política: a candidatura à presidência da República às eleições de 1986, contra o seu amigo Mário Soares. Entregou o cartão de militante do PS e apresentou-se como o candidato do PCP e do Partido Renovador Democrática, entretanto criado pelo então presidente Eanes.

Apesar de todos esses apoios e, já agora do meu primeiro voto em eleições presidenciais (e o segundo da vida), Zenha obteve 21% dos votos não tendo conseguido passar à segunda volta, que viria a ser disputado por Freitas do Amaral e por Mário Soares.

A partir daí saiu de cena da política ativa, tendo falecido em Lisboa em 1993 e, quem o conheceu, diz que se ele não tivesse desaparecrido prematuramente, Portugal seria hoje um País melhor.

"Não basta que preguemos a amizade: é necessário também merecê-la de parte a parte.
Não basta que homenageemos a liberdade, é necessário também respeitarmos os outros nas suas convicções morais e culturais: isso é tolerância.
Não basta discursarmos sobre a solidariedade: é necessário que a sintamos como a exigência máxima da humanidade.
Solidariedade para com o nosso próximo e, mais do que isso, para com todos os povos do mundo!", disse na sua última aparição pública

Um homem, um líder, que falhou o seu acesso à presidência, mas ganhou o seu lugar na História: pela persistência, pelos valores e pela seriedade.

Orgulho-me de lhe ter dado o voto em 1986.