21.6.12

Finança substiui democracia dos estados

O antigo Presidente da República Mário Soares disse hoje, no Porto, que "o que a 'troika' faz é ganhar o seu dinheirinho" e acrescentou que "os mercados continuam a mandar nos Estados", transformando-nos numa "espécie de protectorados".
"Toda a gente me caiu cima quando disse que era preciso acabar com a 'troika'", referiu Mário Soares, que interveio num sessão plenária do VII Congresso Português de Sociologia, ao lado do ex-secretário-geral da CGTP,Carvalho da Silva. Após recordar que Portugal tem um longa história, Soares perguntou: "Como é possível, que haja uns tecnocratas que decidem sobre o nosso futuro e as pessoas não se sentem, patrioticamente, vexadas por nós estarmos a ser um protectorado da 'troika'?". "Temos que mudar rapidamente, porque se não vamos para uma situação gravíssima", opinou.
Mário Soares disse "ter esperança nesse tal vento democrático" que, na sua óptica, sopra desde que o socialista François Hollande foi eleito Presidente da República francesa, a 6 de Maio passado, em substituição de Nicolas Sarkozy.
O ex-chefe de Estado afirmou esperar que "o vento" seja "a favor do crescimento e contra a austeridade, contra o flagelo do desemprego e possa dominar a Europa".
Numa rápida análise sobre a crise europeia e as suas raízes políticas, Mário Soares considerou que "o capitalismo, durante muito tempo, foi um sistema discutível, mas havia regras e um certo tipo de valores que eram respeitados". "Mas, a partir do colapso do comunismo, tem havido tem havido, de tal maneira, modificações que essas regras do capitalismo começaram a estar em causa" e os dois partidos que dominavam então a Europa, o socialista e o democrata-cristão, "perderam a força e legitimidade", declarou.
Para Mário Soares, esses partidos "foram influenciados por Tony Blair", antigo-primeiro-ministro britânico, do Partido Trabalhista, responsável pela corrente política "Terceira Via".
Quando a crise financeira se abateu sobre a Europa, vinda dos Estados Unidos, os governos eram, na sua grande maioria, "ultraconservadores e neoliberais", recordou Soares, que considera que haver "um vento de mudança que está a atingir a Europa e não só", com origem em França e na recente eleição de François Hollande.
Em contraponto, o antigo presidente português não poupou críticas à chanceler alemã, Angela Merkel, dizendo que "está na hora" de ela "regressar à Alemanha de Leste", onde nasceu. "É preciso salvarmos a União Europeia" e, para tal, "bastaria que a senhora Merkel abdicasse de um artigozinho que há no chamado Tratado de Lisboa, que diz que o Banco Central Europeu não pode fabricar moeda", realçou. "Mas por que carga de água (o BCE) não pode fabricar moeda?", questionou.
Depois da sua intervenção, um dos presentes perguntou a Mário Soares "se estaria disposto" a apoiar a candidatura de Carvalho da Silva a Presidente da República e a sua resposta foi clara: "Teria muito prazer".


(Texto do Jornal de Negócios, 20/Junho/2012, 21H40, sobre despacho da Lusa)